Esse é um Blog notadamente focado no conteúdo dos jogos. Ou seja: em sua parte discursiva, suas relações com a(s) sociedade(s) e os aspectos culturais que representam. De qualquer maneira, porém, é algo empobrecedor estabelecer dicotomia entre forma e conteúdo, como se apenas um aspecto entre ambos meceresse ser destacado ou, pior, como se somente jogos notadamente "anti-hegemônicos" em relação à estrutura social fossem dignos de avaliação.
Lembro-me de um dia o Bosi, na UNICAMP, comentando sobre literatura e uma das grandes discordâncias como o pessoal da crítica literária em geral - o de julgar a obra pelo conteúdo marxista que ela tinha. Usou, o autor, de uma expressão irônica: ele não avaliaria literatura com um marxômetro do lado.
O bla-bla-blá inicial serve de gancho para sair um pouco das narrativas e dos aspectos discursivos e discutir um jogo que chama atenção pelo aspecto formal: o
Z-Rox.
Por tempos, jogando nossos plataformas da vida, sonhávamos com novas tecnologias que proporcionassem um 3D cada vez mais "realista". Hoje a computação gráfica tem provado que romper esses limites é só questão de tempo e de investimento maciço de grana. Cansados de se maravilhar com isso, podemos aplaudir a inciativa do "
Evil Dog", autor do Z-Rox. Afinal, ele construiu um jogo que sabiamente vai na contramão do que a tecnologia proporciona e mostra algo em falta nos jogos em voga: criatividade e autoria.
Z-Rox é o resultado de uma espécie de um "desafio" que seu produtor fez a si mesmo: elaborar um jogo com apenas uma dimensão. Isso mesmo. A lógica do jogo é simples (mas adequada, dado que, dentro dos limites, Evil Dog consegue cumprir sua proposta): uma forma passa de cima para baixo na dimensão de uma linha, e o jogador tem que adivinhar a que ela corresponde. O exemplo abaixo, do tutorial do jogo, mostra o T passando (evidenciando em tom mais fraco o que, no jogo - como é visto na segunda imagem, estaria oculto).
A rigor, chega a ser contestável que esse jogo é feito em apenas uma dimensão. Obviamente, o mínimo de espessura que tem a linha já lhe dá uma segunda dimensão. Mas isso não invalida, de modo algum, o efeito "1D" a que o jogo se propõe (até porque, a rigor, os jogos 3d também não possui senão uma ilusão de terceira dimensão). Aliás, é interessante o fato de o jogo, tendo sucesso em suas pretensões, ainda assim ser divertido e desafiador (embora não ache que teria um grande público interessado).
Mais que isso, é louvável ver que pessoas ainda tentam subverter as convenções dos jogos - seja na forma ou no conteúdo - não ficando presas ao que "grandes correntes" mercadológicas poderiam ditar. O esforço criativo em desconstruir a forma do jogo é extremamente útil, pois traz aos gamers novas possibilidades de desenvolver seus projetos, novos campos e soluções a serem explorados. Isso tem a ver com o que foi falado no post anterior, sobre a "instituição da cultura gamer". É um campo fértil e dinâmico justamente porque temos gente que se dispõe a testar e apresentar arranjos que não foram ainda pensados.
Enquanto, muitas vezes, o mercado vai se repetindo e se "renovando" com as manjadas fórmulas de Dooms, Dune 2s, Tomb Raiders, Day of The Tentacles, entre outros, certas criações e certos produtores ainda podem experimentar e buscar novos rumos. E falhar, falhar... muitas vezes. O que importa? Criar é (ou deveria ser) isso. E não empacotar à exaustão idéias batidas condimentadas com lasquinhas de novidades. Aliás, isso já dá assunto sobre um outro post e um outro jogo:
The Free Culture Game. Mas não agora.