terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Que venha 2010!

Olá, pessoal!
Estou escrevendo para declarar que, apesar de meio parado, esse blog não se encerrou e nem vai se encerrar tão cedo. O problema é que, enquanto essa vida de professor perdurar, as coisas serão sempre instáveis e o ócio produtivo sempre será fruto de muita luta.
No momento, estou em época de elaboração e correção de provas, provas mil. Ainda é possível que eu escreva algo no blog ainda esse ano, mas também é possível que eu não o faça. Então, achei por bem escrever esse recado, um resumidíssimo levantamento e retomada do blog, que já tem quase dois anos de conturbada mas firme existência.
Esse blog surgiu para, de certo modo, preencher uma lacuna deixada pelo fim de minha pesquisa de mestrado, defendida em Fevereiro de 2008. De lá para cá, foi a maneira que encontrei de permanecer atento aos jogos, discuti-los, refletir sobre aspectos que o circundam e constituem. Relendo os primeiros posts em relação aos últimos, percebo que mudei bastante não só minha forma de escrita, como também minha forma de pensar jogos, e isso foi, em grande parte, devido à colaboração e ao diálogo sempre constante dos poucos (mas interessantíssimos) leitores desse espaço.
Os quase dois anos de existência do blog coincidiram com os dois anos mais atarefados de minha vida profissional: além das aulas que assumi na universidade em que trabalho, trabalhei revisando material didático digital e estou trabalhando em um curso a distância para a formação de tutores. Isso sem contar que, nesse ano em particular, tudo isso se somou a algo que me trouxe bastante ocupação e desgaste: a preparação para o processo seletivo de Doutorado. Assim, além de tudo, tive que pensar e preparar um projeto, estudar bibliografias, além do Francês exigido em prova de proficiência.
Embora cansado, sinto que colhi os frutos desse esforço. Grande parte do meu projeto foi inspirado no que vínhamos conversando nesse blog (inclusive parte da metodologia consiste em analisar um jogo que só descobri por conta desses contatos - o Please The Art Critic - obrigado, Janos!) . Minha reflexão sobre minha própria área se ampliou ao conhecer interessados em jogos com outras trajetórias - aprendi sobre filosofia, arte, estética, sociologia, etc. Como bom resultado disso tudo, passei nos processos seletivos da USP (Letras) e UNICAMP (Linguística Aplicada) e agora ficarei com a "boa dúvida" de que universidade escolherei para fazer meu doutorado.
Ano que vem certamente terei mais tempo para de dedicar aos estudos e às reflexões e isso irá colaborar para um blog um pouco mais ativo. Quero ver se consigo reduzir ao extremo minha carga de trabalho, para ficar com minha pesquisa e meu ócio produtivo.
Agradeço a todos que me acompanharam até agora e espero que essas parcerias mantenham-se e perdurem!

domingo, 25 de outubro de 2009

Jogabilidade (ou GamePlay?) como argumento III

Para fechar a discussão (pelo menos temporariamente), uma análise/resenha de um jogo bastante interessante, que usa o conscientemente o mecanismo como forma de organização de signos, o Bullfist.



Bullfist foi recentemente lançado gratuitamente na web por Terry Cavanagh, estimulado por um concurso de 3h com o tema "Communist Bull Rage" e "Random". O autor não terminou o jogo a tempo para o concurso, mas resolveu dar continuidade ao projeto.

Gráficos
Os gráficos dos personagens do jogo tem um ar "retrô" dos pixels. Há pouquíssima animação (basicamente se resume aos "búfalos" comandandos pelo jogador), de modo que os elementos do jogo assumem praticamente um caráter icônico. Há também pouquíssima variedade de objetos (mas o suficiente para cumprir a proposta do jogo). O cenário é um sidescrolling 2d contínuo e há uso de poucas cores (a predominância é o vermelho, o que é significativo, já que o jogo brinca com a questão do "comunismo" x "capitalismo").
As mudanças nas cores são sutis, mas significativas: os objetos que o jogador pode destruir são marcados por azul/preto e os que são mais fortes que ele são marcados em vermelho, cores convencionalmente usadas para proibição/acesso.

Sons
A música do jogo é curta, contínua, mas agradável. O ritmo dela parece estar de acordo com o ritmo contínuo do jogo. Os efeitos sonoros são poucos e discretos, mas o suficiente para funcionar como feedback das ações realizadas.

Interação
A interface do jogo é bastante simples e os dispositivos utilizados também. Com apenas 4 botões de movimento você joga. Embora não haja botões para outros tipos de ação, isso não torna o jogo com um aspecto "incompleto": o mecanismo de "juntar búfalos" para destruir as barreiras é convincente.

Mecânica
A jogabilidade, apenas de simples, tem um ar "inovador" diante das demais propostas de "sidescrolling". Normalmente é necessário ou destruir as barreiras com alguma espécie de projétil ou desviar de todas elas. No jogo em questão, é preciso "passar por cima" delas. Mas o que torna o jogo criativo é que o jogador tem que tomar cuidade para ver a força da sua "manada". Com 1 búfalo, o jogador não consegue destruir nada, devendo procurar outros búfalos. Com 2, pode destruir os "capitalists pig dogs". Com 4, pode destruir os carros. Com 6, pode destruir tudo temporariamente (até voltar automaticamente para 2). Assim, o jogo consegue criar um objetivo diferente para cada "estado" do jogador.
Outra coisa que deve ser ressaltada é que o jogo é sempre randômico. Todo novo jogo é uma nova configuração dos objetos, não permitindo que o jogador "decore" o caminho para ganhar e gerando um fator-replay bastante extenso.

Narrativa
A narrativa do jogo é bastante simples e torna-se bem engraçada pelo modo estereotipado como é apresentada. O jogo é uma metáfora da lógica de massa do comunismo contra o capitalismo. Em pouquíssimas palavras, pode-se resumir a narrativa na materialização do provérbio "a união faz a força", o que é bem representado na mecânica do jogo (quanto mais búfalos, mais coisas você está apto a destruir). Assim, o jogo brinca com esse provérbio e faz dos búfalos uma representação de uma possível união de massas qualquer contra elementos estáticos e estabelecidos do capitalismo. Curioso notar que a mecânica e a narrativa se entrelaçam a todo momento e se entrelaçam com um conhecimento prévio não só do que seja capitalismo e comunismo, mas também de como um comunista enxerga o capitalismo. Desse modo, as escolhas mais sutis como o fato de os capitalistas aparentemente "não reagirem" (embora a resistência deles e o ato de ficar "estáticos") é cheio de sentidos, por exemplo.

Personagens
Existem 4 tipos de personagens no jogo, todos representando elementos altamente estereotipados:
Os búfalos: representam o jogador no jogo e o comunismo em ação num plano metafórico.
"Capitalists pigs dogs": representam a resistência mais fraca dos inimigos.
Automóveis Capitalistas: representam a resistência intermediária dos inimigos.
Edifícios Capitalistas: representam a maior resistência dos inimigos, podendo ser vencida somente por uma força temporária da personagem (algo como o PacMan depois de comer uma fruta).

Conclusão:
Como jogo casual é uma proposta excelente, inteligente, sem ser panfletária. Além da narrativa ser extremamente irônica e a divertida música e os textos estereotipados ajudarem nessa construção, a mecânica por si só é inteligente e não fica na mesmice dos "shoot'em'up". Tanto é que pode ser jogada por quem não entende nada sobre capitalismo e comunismo que, embora isso faça perder o sentido metafórico do jogo, não prejudica na diversão e na dinâmica do jogo.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

A jogabilidade como argumento II

Para prosseguir na discussão sobre o uso da jogabilidade como argumento, é necessário explicitar um pressuposto meu sobre jogo e jogabilidade que não é o mais corrente nem o mais óbvio entre os produtores de jogos nem entre jogadores em geral.

A visão padrão (bem didaticamente resumida) que se tem sobre jogos muitas vezes se limita a considerá-los bons (ou, ainda, a considerá-los "jogos") diante de um conjunto de preceitos "infalíveis". Preceitos que não garantem a qualidade do jogo, mas, se estiverem ausentes, garantem a falta de qualidade, a falta de público e, com isso, seu fracasso. Desde que comecei a me interessar por jogos e procurar entendê-los do ponto de vista de sua criação (embora eu ainda não tenha conseguido criar um, propriamente, pois ainda me faltam parcerias e habilidades fundamentais), encontro manuais, tutorias e "bíblias" de game design que insistem nesse conjunto de itens. Destaco, pela facilidade de compreensão e acesso, esta aqui, desenvolvida por Mark Overmars, como primeiro tutorial para a ferramenta Game Maker.

Meu ponto é: tais documentos são interessantes e certamente auxiliam muitos game designers a pensar tecnicamente na criação de seus jogos. Mas pautar a avaliação de jogos tendo preceitos semelhantes como critério é, ao meu ver, analisar a rica obra de Guimarães Rosa em termos daquelas análises mecânicas de: autor em primeira ou terceira pessoa? Personagens planos ou esféricos? Espaço? Tempo? (Obrigado ao André Renato, de quem "roubei" esse exemplo de uma recente conversa para aplicá-lo aqui). Ou, ainda, fazer um curso técnico de pintura/desenho e achar que ali está a forma para a arte (o que leva a pensar que tudo que não repetir aquela fórmula não é arte, não é bom, não é pintura/desenho).

Em termos de jogos, por absoluta ausência de tradição, imagino, temos os analisado apenas diante de uma análise padrão, torcendo o nariz para pontos fora da curva. Concluindo, é isso que, para mim, faz jogos como Unfair Platformer, I wanna be the guy, Karoshi, entre outros, tão interessante: eles não só dominam a técnica e a linguagem dos jogos como, ao subverter certos padrões (como: o jogo deve ter uma curva de aprendizado adequada; o jogo deve ter um grau de previsibilidade que permita que o jogador aprenda com seus erros) mostram que os recursos técnicos e as convenções estão sempre ali em prol de um efeito tal. E não são mais que isso: recursos e convenções a serem explorados.

Isso tudo para falar de um jogo que, diante de análises mais restritas ou tradicionais nem poderia ser considerado "jogo", mas sim uma "animação interativa" ou algo do tipo: é o Chuck Norris Game, produzido pelo Gabriel Moura, brasileiro de Niterói. Na análise mecânica acima apontada provavelmente teríamos como falar que ele "peca pela total ausência do desafio, tornando-se monótono, entediante, e não seduzindo o jogador".

Mas não é o que vejo. Para mim, o jogo em questão exemplifica bem a ideia de que a jogabilidade deve servir para gerar certos efeitos no jogador, ainda que, para isso, precise se desvincular de conceitos pré-determinados e pasteurizados como "fluência", "desafio", "reincidência", etc. Fazendo um óbvio intertexto com o altamente difundido meme "Chuck Norris Facts", o jogo tem a felicidade de conseguir materializar uma piada que tem sua graça no meio escrito e digital em um jogo que mantém sua graça. Ou, ainda: uma brincadeira que utiliza certos tipos de recursos (penso na escrita alfabética, aberta à contribuições coletivas e anônimas, usando, em sua materialidade, frases declarativas no presente, o que garante um efeito de verdade e de generalidade) e facilidades (penso na capacidade de disseminação das mídias digitais) em outra brincadeira que faz usos nada ingênuos de técnicas particulares da projeção de jogos digitais.

Em poucas linhas, já está claro, óbvio e batido dentro dos estudos da linguagem que escolher entre: "Eu acho que Chuck Norris faria tal coisa" e "Chuck Norris faz tal coisa" muda o efeito discursivo e o caminho argumentativo na escrita. Dentro dos estudos dos jogos, igualmente, deve-se perceber que as escolhas feitas no design também possuem efeitos particulares: qual o efeito de observar que nada fere nem abala Chuck Norris como personagem principal de um jogo, quando, tipicamente, mesmo o mais valente dos personagens (Duke Nukem? Mario? Homem-Aranha?) está sujeito a ser derrotado? Que seu Roundhouse Kick mata ou elimina qualquer um que esteja em seu caminho, desde "minions" tradicionais como os do Sonic ou do Mario até personagens tidos como carismáticos e com vocação para o heroísmo como Ryu? Que a contagem de pontos é altamente generosa, que as vidas são infinitas (embora ele nem precisa usá-las) e que todas as fases são passadas com o selo "perfect" de qualidade (premiação que normalmente só é dada ao jogador mais abalizado)? Em suma: qual o efeito de perceber que para comandar Chuck Norris não é preciso ser um bom jogador, que a personagem é tão completa que não precisa da ajuda da sua habilidade, jogador, tão ansioso para mostrar ao universo do jogo como você é hábil, inteligente e estratégico?

Disso se pode tirar algumas reflexões, as quais podem ser expandidas em discussões futuras. Em primeiro lugar, a "formalização" e as regras de composição dos jogos, que pode ser benéfica ou até essencial em alguns casos para auxiliar projetistas em questões técnicas não pode ser vista como parâmetro para análise de jogos, sob pena de "fechar a visão" para iniciativas criativas e engenhosas. Segundo, o tema da brincadeira é o mesmo do presente no Chuck Norris Facts, e inclusive é obviamente o que motivou a criação do jogo, mas certamente os recursos utilizados em cada caso (escrita em meio digital x jogo) geram efeitos diferentes. E isso quer dizer que não há apenas a "aplicação" de uma ideia a um jogo. A mudança de recursos primários (escrita para jogabilidade em ambiente multimodal) pressupõe um trabalho criativo por si só, que é o de pensar em como se apropriar das convenções do meio para fazer algo com sentido. Fazer um jogo com criticidade, então, parece pressupor, logo de início, analisar alguns possíveis efeitos argumentativos de sua jogabilidade naquele contexto.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

A jogabilidade como argumento

É interessante notar como a jogabilidade, em seu aspecto material, pode ser central na mudança da interpretação dos aspectos de um jogo e da relação que ele possui com nossos conhecimentos prévios. Explico: as relações do mecanismo do jogo e as escolhas mais sutis podem criar efeitos surpreendentes na construção de sentido.

Antes de tudo, é disso que estou falando quando, na análise de alguns jogos, insisto que não se pode considerar seu mecanismo como transparente. Não é porque temos convenções e fórmulas consagradas (como as dos beat'em'up ou shoot'em'up) que elas são transparentes. São altamente convencionais e naturalizadas por muitos: sejam jogadores, autores, ou disseminadores. Mas transparentes, não.

Um exemplo simples? Vamos lembrar de jogos como Double Dragon ou Streets Of Rage. Nesses casos, há um único personagem (o que você comanda) que é capaz de, feito Hércules, detonar exércitos inteiros, armados, somente para destruir um inimigo que é comum a todos. Que tipo de ideias estão circulando nesse contexto? Em primeiro lugar, a do super-herói, o sobre-humano, aquele que, por algum motivo, está acima de todos os outros e que usa disso a seu favor e a favor daquilo que acredita. Em segundo, a dicotomia bem x mal, que dificilmente é problematizada (uma exceção é o jogo Pazzon, já discutido neste blog). É ético matar e destruir quando se é o herói, pois isso vai nos levar ao fim do mal.

Se essas noções não são "neutras", por que muitas vezes as vemos assim? Minha hipótese: por uma longa tradição e por um sistema de valores que se repete e se recria de modo a sedimentar certas estruturas e suavizá-las como naturais e óbvias. Ulisses não seria capaz de fazer o que fez caso fosse o senhor engravatado que trabalha cotidianamente no gabinete ao lado. Nem Bush teria quem apoiasse suas declaraçoes de que capitaneava a luta do bem contra o mal caso isso não estivesse em nosso imaginário. Assim, é fácil compreender como a migração desses valores para jogos dos gêneros shoot'em'up, beat'em'up ou até plataformas em geral (lembrem da narrativa de Mario Bross) podem passar despercebidos. Ainda mais porque geralmente esses gêneros costumam ser altamente repetitivos.

Mas pequenas mudanças em mecanismos ou representações desses jogos podem subverter o convencional e trazer efeitos surpreendentes. Vou ressaltar, nesse post, por meio do jogo Queens. Sugiro que acessem o link e, depois, prossigam nessa análise, que contém spoilers.

Queens e a violência doméstica. Cada morte, uma pessoa.
Em "Queens", você controla uma rainha que é jogada por um rei cruel em uma espécie de calabouço. Seu objetivo e tentar fugir dali. O enredo já começa interessante: então não será o príncipe encantado que irá salvá-la? (Quem sabe esse rei cruel não foi o príncipe encantado de outrora?)
Mas o que chama a atenção é o efeito gerado por uma opção que o autor do jogo fez deiberadamente. A princesa que é jogada no calabouço tem nome e, na medida do possível, personalidade (cor de cabelo e vestido únicos). E, mais que isso - quando o jogador falha, esta rainha que conhecemos pelo nome, morre para sempre. O jogador pode, na sequência, controlar outra vítima do rei atirada ao calabouço, com outro nome e outra aparência. Mas não pode fazer a rainha morta voltar. Uma simples randomização inicial de nome e sprite de aparência da personagem que cria um efeito surpreendente.




Se ninguém pode salvar as rainhas já mortas, o que é a vitória? A vingança de todas que já se foram, ou seja, um olhar para o passado? A libertação da atual rainha frente a tirania do rei, um olhar para o presente? A interrupção da contínua maldade deste homem, que jogaria muitas outras mulheres no calabouço enquanto pudesse? Tudo isso? Parte de tudo isso? Muito pode ser dito e pensado em relação à dominação dos homens frente às mulheres nessa metáfora de Noonat. E sobre as consequências da morte - algo que é apagado geralmente do contexto dos jogos digitais.

É conveniente lembrar que esse jogo foi feito pelo autor em um projeto mais amplo para se discutir violência doméstica. Pensar no papel do homem e da mulher na nossa sociedade, pensar na relação desse papel com a visão histórica de homem e mulher sustentada (e debatida, atacada) em nossa sociedade é interessante. Mas esse efeito, no jogo, depende de uma escolha simples, mas engenhosa e acertada: a crueldade do rei não foi fortuita e momentânea e não pode ser justificada de modo algum por uma reação a qualquer atributo da mulher. Sua crueldade é uma prática (independente de quem está do outro lado) e contínua. Não há arrependimento enquanto ele está no poder. E a vida das mulheres, nesse contexto, são tão descartáveis ao rei como são a nós descartáveis as vidas múltiplas dos inúmeros Mários, Sonics, e Donkey Kongs que matamos ao longo de nossas horas de entretenimento.


sábado, 22 de agosto de 2009

Gameplay - impressões gerais

Como havia divulgado em junho, está acontecendo em SP a exposição Gameplay, no Itaú Cultural. Vai até o fim desse mês.
Eu fui ao fim de junho, mas somente agora consegui esse tempinho para comentar e pontuar algumas impressões.

Um dos carros-chefe da divulgação da exposição seria o fato de ela discutir o conceito de Gameplay. Essa discussão é feita logo na entrada, em um jogo estilo plataforma que, sem recursos sonoros e com o visual desenhado para dar uma aparência de esboço, evidencia o conceito de "gameplay" como as possibilidades de ações e relações de interação homem-máquina, o que é feito de maneira bem-feita interessante e didática.

Além desse, destaco como outros pontos positivos três instalações.

Em Kino Arcade Machine , de Windows Media Players, é possível estabelecer uma discussão sobre narrativa e interação como intervenção. A proposta consiste em colocar em uma máquina de fliperama o filme "Encouraçado Potemkim". Os botões diversos do fliperama, controlados pelo usuário, promovem modificações diversas na apresentação do filme: avançam e voltam as cenas, colorizam de diversas maneiras, "pixelam" as imagens e assim por diante. Obviamente, a narrativa em si continua sendo ditada pelo filme, mas é interessante essa sobreposição de possibilidades e a ideia de que eu posso fazer meu próprio Potemkim.

Merece destaque também Diorama Table, de Keiko Takamashi. Consiste em uma mesa em que elementos pintados pela artista plástica (dinâmicos) são projetados. O interessante é que é uma "pintura sensitiva". Ou seja, a mesa reage aos mais diversos objetos pretos que são colocados sobre ela. Explicando: há um fundo azul, em que, a princípio, não é projetado nenhum objeto. Colocando alguns objetos pretos na mesa, surgem elementos 2D em seu entorno. Algumas possibilidades:
- Coloca-se uma xícara preta: ao redor começa a surgir uma cidadezinha. Logo começam a aparecer nuvens de poluição. Ao se retirar a xícara, sai um gato de dentro.
- Estica-se uma corda: o caminho da corda transforma-se em trilho, por onde passam trens. Colocar dois trilhos em contato pode fazer os trens colidirem.
- Usar a corda para fazer um círculo: cria-se um lado. Surgem patos no lado. Ao tirar a corda, os patos voam.
- Garfo preto: funciona como uma espécie de túnel, de onde saem os carros.
- Uma "bala": atrai o gato.

A esses sprites, que reagem aos objetos pretos como se esses fossem dispositivos de entrada, correspondem também alguns sons. Muito interessante...

Em World Skin, um universo virtual construído com fotos/sprites de ambiente de guerras pode ser percorrido pelo jogador. Munido de uma máquina fotográfica, o jogador pode "capturar" as telas (que são impressas como fotos). Ocorre que as telas são de fato "capturadas", ou seja, as imagens são recortadas do mundo, que fica com espaços em branco. É interessante pensar na materialidade da foto no ambiente 3d. Também é um ambiente imersivo paradoxalmente "contraimersivo", já que desperta o olhar para o fato de que aquilo é uma construção gráfica, no melhor estilo brechtiano...


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Além dessas três instalações, havia mais umas três, se não me engano, mas com propostas não tão interessantes, ou que não aproveitavam os espaços e os recursos para trazer algo inovador ou reflexivo. Ou que, pelo menos, não discutiam o Gameplay.

De resto, uma certa decepção. Nenhuma outra discussão (seja teórica ou artística) sobre jogos, apenas uma quantidade imensa dos mais diversos jogos de console para serem jogados pelos visitantes (com o tempo máximo de 15min). E estamos falando de jogos como Halo, Mario Kart e assim por diante. Ou seja, uma lan-house comunitária para que o jogador tenha acesso ao que a indústria de games vem criando. Um bom lobby para o pessoal e um bom incentivo para que as crianças que queiram ficar mais de 15min jogando peçam aos pais os joguinhos. Nada contra a divulgação gratuita de jogo, é uma estratégia de marketing interessante. Mas... em que isso enriquece o debate sobre o gameplay?

Em suma, as coisas boas da exposição ficaram "embotadas", ao meu ver, por esse foco na disponilização sem critério aparente de jogos comerciais a serem jogados pelo visitante. O que é inicialmente discutido na entrada sobre gameplay não é retomado em nenhum momento da exibição. Os ditos "educadores", por mais simpáticos que fossem, não tinham a arquitetura do evento ao seu favor. Quase nenhuma informação sobre as instalações ou sobre o que é gameplay se apresentavam ali na exposição, seja em forma de texto ou em qualquer outra forma.

Imagino que ainda seja muito difícil fazer uma exposição que discuta jogos de um modo diferenciado (como arte, como cultura). Imagino (ou quero imaginar) que a quantidade de jogos disponíveis foi uma alternativa dos organizadores para suprir a falta de trabalhos nesse sentido. Mas duas coisas ficaram claras: é excelente ver que o conceito de gameplay está sendo colocado em pauta; ainda temos muito o que caminhar.

sábado, 8 de agosto de 2009

Texto sobre ética nos Serious Games

The Neoliberal Consolidation of Play and Speed: Ethical Issues in Serious Gaming.

O link acima é de um texto da pesquisadora Ingrid M. Hoofd, da Universidade Nacional de Singapura, sobre os Serious Games, enfatizando a questão da ética e situando os jogos como elementos que facilitam a "consolidação neoliberal do jogar e da velocidade".

É um texto acadêmico que encara os jogos digitais em geral e os serious games em específico de uma maneira um pouco diferente da que eu abordo em minha dissertação. Curioso notar que há uma visão bastante diferente frente a um mesmo jogo analisado - Darfur is Dying. Vale a pena a leitura e a reflexão.

No momento, infelizmente, estou atarefado com a elaboração de um projeto de pesquisa, mas logo que tiver tempo, comento, mesmo que brevemente, minha posição frente ao estudo de Hoofd.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

O que não pode ser medido

No post mais recente de seu blog, Janos Biro divulga um interessantíssimo site de jogos e experimentos interativos que, apesar de ter surgido em 2006, eu nunca tive a oportunidade de conhecer antes: o Rrrrthats5rs.com. O site, em geral é construído de uma maneira bastante interessante, utilizando, inclusive, a interface a favor dele quando, por exemplo, coloca "falsos comentários" em cada jogo, como bem aponta Biro.

Dentre os inúmeros jogos ali apresentados (entre no site se quiser jogá-los, entre no Arte e Subversão Interativa para breves comentários sobre os jogos), chamou-me a atenção o Please the Art Critic (Satisfaça o crítico de arte). Sugiro que o leitor teste o jogo antes de prosseguir a leitura.

O jogo se apresenta da seguinte maneira: seu objetivo é desenhar, com uma palheta de poucas cores, obras que trazem o campo semântico das artes (encontram-se termos como surrealista, minimalista, impressionista, etc.) como referência. O trabalho do jogador, em seguida, deve ser submetido a um crítico de arte para a apreciação. Assim, se o desenho responder aos anseios do crítico, o jogador passa de fase e é desafiado com uma nova proposta de desenho. Caso contrário, o jogo acaba.

Assim é como o jogo se apresenta. Não necessariamente como o jogo funciona. Por quê? Primeiro, que a tal interpretação do crítico é o que indica o que deve ser feito ou não, e não os termos "surrealista", "impressionista", que se mostram vazios de sentido. Assim, na primeira fase, o crítico aponta (caso o jogador faça uma pintura com alguma outra cor) que, para ele, somente o VERMELHO pode representar o romance impressionista. Na segunda, ele considera que um "aperto de mão surrealista" lhe lembra uma bandeira da Irlanda. Nesse ponto, então, diferencia-se o que é pedido na fase e a dica do crítico, esta muito mais efetiva, aquela, vaga.

Mas isso não esgota a questão do acerto/erro no jogo. Na realidade, para o jogo "entender" que você deve passar de fase e, na sua interface, "dizer" que o crítico aprovou sua obra, é necessário cumprir um esquema bem restrito:
  • Na primeira fase, desenhar qualquer coisa vermelha, podendo ser uma simples linha;
  • Na segunda, desenhar qualquer coisa que contenha somente as cores verde e laranja (pode ser uma linha de cada)
  • Na terceira, desenhar um conjunto de pontos azuis alinhados
  • Na quarta, selecionar a tinta preta, clicar na tela como se fosse desenhar, mas não desenhar nada
  • Na quinta, rabiscar por bastante tempo com o botão clicando no mouse com a tinta preta.

Assim, apesar dos discursos apresentados pelo crítico (um artifício do jogo) e pelo jogo, o que deve ser desenhado em tela não será avaliado, obviamente, em termos estéticos, mas a partir de regras internas bem simples. O nível de compreensão da máquina não é igual ao que é aparentemente exigido pela interface e "acertar" depende de uma coincidência ou uma sobreposição desses dois níveis, induzida pela figura do crítico. Basta um traço para se acertar a primeira fase e dois riscos para se acertar a segunda, mas observem como que o restante também influencia, nesse desenho apresentado em um fórum por um jogador, mostrando como ele passou de fase: Imagem (extraída do fórum Gamershood)

No primeiro, o que lembra "romance" - um coração vermelho; no segundo, a recomendação do crítico - a bandeira da Irlanda.

Ou seja, pode-se dizer que o jogador tem de reagir a fontes diferentes de informações e que "acertar" em um jogo não quer dizer dominá-lo - pode-se ganhar sem ter a consciência do, exatamente, entre o conjunto de ações e informações apresentadas ao software, que de fato levou o jogador à vitória. Ao acessar alguns fóruns com discussões sobre esse jogo, essa impressão se expande. Em www.nordinho.net/vbull/other-cool-games/22526-please-art-critic.html, um usuário apresenta esse conjunto de respostas para se "vencer":
1. draw a red Z
2. draw one orange arrow> near the guys head / draw second green arrow > next to orange arrow
3. draw about 30+ dots in blue and try to keep them small
4. draw anything in black/ press clear 5 times and submit
5. draw a black zig zag around the screen and try not to touch the other parts of the line

Em outro post, recomenda-se o seguinte:
Level 1= a dot of red or anything that’s red, you can even draw a dagger! lol

Level 2= a green line on one side an orange line on over

Level 3= blue dots in a big circle

Level 4= nothing!

level 5= scribble for ages

Também parece relevante apontar que esse jogo me remete a um dos últimos jogos ditos comercias com que entrei em contato, o "The Movies". No papel de "um magnata dos filmes, um caçador de talentos e /ou um diretor de filmes", segundo o site do jogo, o jogador é levado a produzir e vender filmes e, desse modo, levar ao sucesso a sua própria produtora. Porém, as relações entre as ações do jogador e o que leva ao sucesso não são estéticas. E, por mais que algumas dicas norteiem como o jogador deve conduzir o jogo, elas cumprem a mesma função do crítico de arte: induzir à sobreposição de acertos. Ou seja, apesar da complexidade muito maior desse segundo jogo, ele (e qualquer outro jogo ou software que anuncie ou pareça oferecer respostas estéticas) esbarra no mesmo ponto, de que isso não pode ser medido de antemão. Nesse ponto, então, é necessário deixar claro o que deveria ser óbivo: jogos serão limitadíssimos ao simular a produção artística e, mesmo se propondo a isso, o que será avaliado sempre será algum item paralelo a isso - basta lembrar, por fim, do famoso Guitar Hero.

Em suma, esse jogo me leva a algumas conclusões. A primeira é a de que o mecanismo dos jogos digitais pode ser fascinante - pela fantasia que cria na sobreposição dos níveis da interface e de seus mecanismos internos - mas não é ingênuo e poderia ser visto mais cautelosamente. Ainda estou em dúvida quanto a isto, mas tenho pensado fortemente que o honesto, do ponto de vista do autor (de qualquer jogo), seria sempre disponibilizar ao jogador, desnudar, de algum modo, o nível mais profundo do jogo. Mesmo a minha interpretação do que deve ser feito, pensada e pesquisada com atenção com base em todas as outras que encontrei e com base em minha própria (cansativa) e demorada experiência com o jogo está do outro lado da "caixa preta" e não deve equivaler às regras que constróem o jogo de fato. O que me traz a dúvida se isso deve ser feito é a possibilidade de quebra de "magia" que os jogos podem vir a ter.
Em segundo lugar, há elementos que não podem ser medidos ou apresentados à apreciação de uma inteligência artificial. Jogos como Guitar Hero ou The Movies vendem interessantíssimas fantasias, desde que elas não interfiram na noção do jogador de que aquilo é apenas isso - um construto, uma fantasia. De que estão adquirindo, ao aprender a jogar, apenas uma opinião (razoavelmente velada e parcialmente inacessível) sobre o que é ter sucesso nesse ou naquele contexto.


quinta-feira, 2 de julho de 2009

Home of The Underdogs ressurge!!!

Conforme notícia que acabei de ler no Arte e Subversão Interativa, o lendário Home Of The Underdogs está de volta. Vou atualizar o link, inclusive, que tenho aqui deles.

Tenho uma história pessoal relacionada ao HOTU. Morei em Curitiba até o ano 2000. Fui para Campinas estudar e levei na bagagem pouquíssimas coisas, entre elas um pentium já bastante obsoleto na época que já havia sido descartado por meu pai, depois de um tempo, também por minha irmã. Com essa limitação e com a limitação de conexão (fiquei até 2006, quando já morava em São Paulo, com conexão de Internet discada), o que eu conseguia jogar era o que o HOTU disponibilizava. Talvez esse seja um dos motivos pelos quais eu comecei a valorizar a engenhosidade dos jogos em detrimento de suas supernovidades tecnológicas.

Uma das coisas que mais me chamavam a atenção era como os jogos eram classificados, nã se limitando apenas às tradicionais divisões entre "estratégia", "rpg", ação" e etc. Se não estou enganado, antes mesmo da popularização dos tags tal como vemos em blogs hoje, o sistema de banco de dados do portal já fazia uso de marcadores. E marcadores intrigantes. Lembro que me interessavam jogos com marcadores como "unique", "freedom" (ou era freestyle? Algo assim), "politics", entre outro.

Também é pertinente lembrar que é o site que abrigava e divulgava o Manifesto Scratchware (traduzido por Janos Biro, conforme divulgado logo no início desse blog).

Enfim, um trabalho excepcional, em um site que foi muito além da disponibilização de jogos e de reviews. Gamers, comemorem. Mais um site de interesse geral - um dos melhores - está disponível novamente.

Quando tudo está à venda

Os olhos do meu bem
E os filhos meus
Se alguém pensa que vai levar
Eu posso vender
Quanto vai pagar?
(Bancarrota Blues, Chico Buarque)

Publicado no dia 30 de junho no portal Kongregate, UPGRADE COMPLETE! é um jogo cujo sucesso chama a atenção. O jogo conta atualmente com uma média de avaliação de 4.49, o que é espantoso ao se considerar que isso supera a avaliação dos melhores jogos avaliados até então no site - 4.47 e 4.48. Lógico que essas avaliações são dinâmicas e pode ocorrer de essa média cair com o tempo. Mas, ainda assim, é um feito considerável.

É de se perguntar o que há de novo que possa despertar tanto interesse. Na ação do jogo, nada de novo: um "Shoot em up" com "ondas", em que não há inimigos muito diferentes, em que as ondas (ou fases) seguem o mesmo padrão de evolução(em velocidade, quantidade, resistência e/ou poder destrutivo). O jogo ainda tem influência dos famosos "Tower Defenses", que por serem populares, podem se apresentar como um chamariz inicial ao público. Mas isso não garantiria o sucesso. Sugiro que, então, o próprio leitor jogue primeiro, perceba qual a inovação apresentada, para depois voltar a esse post, que a partir de agora contém spoilers.

De fato, não há novidades estruturais na dinâmica da ação do jogo. O que há de novo é que quase tudo, desde o carregamento inicial do jogo, passando pela música e chegando ao botão de "mudo" pode ou deve ser comprado. Sem comprar a música, você não a ouve. Sem o botão de mudo, você não a interrompe. Ou seja, o diferencial é que o jogo expande as possibilidades de c
ompra e upgrade para o "entorno da ação do jogo" que, por falta de palavra melhor, vou chamar de "parajogo". É desse modo que, assim como os já discutidos "The Unfair Platformer" e "IWBTG", "Karoshi 2.0", "Achievement Unlocked", entre outros, o jogo evidencia as marcas históricas e as convenções que o envolve, um facilitador para o pensamento crítico.

Interessante é perceber quais brechas essa desconstrução oferece e para que interpretações e reflexões elas dão margens. Vamos às que mais saltaram aos meus olhos:

A) Um primeiro ponto que deve ser discutido é até que ponto devemos aceitar ou atingir todas as expectativas propostas pelos jogos. Um exemplo bobo: parece natural que tentemos cumprir uma missão paralela em AoE só porque ela exista, mesmo que ela nos dificulte a cumprir a missão principal. Mecanismos que dão sobrevida à jogabilidade, como "fases secretas", "missões especiais", "finais especiais" têm propósitos que nem sempre são justificáveis ou plausíveis na lógica do jogo, mas por vezes em uma lógica externa a ele: de manter o jogador envolvido a partir de diferentes desafios. Assim, se é que podemos entrar no campo da ética, qual o limite que deve haver entre o jogo e o dito parajogo?
Para "COMPLETE UPGRADE", este deve ser bastante secundário àquele. Afinal, chegar ao último upgrade é chegar (terminando as 20 ondas possíveis ou não) ao fim do jogo. E com uma mensagem nada ambígua:
Talvez da próxima vez que você estiver jogando um jogo, você o avaliará mais pelo tanto que se divertiu com ele do que pela complexidade de seu sistema de upgrade.
Nesse ponto em específico, eu sou menos purista. De fato, como o parajogo se configura não é minha maior preocupação. Ele, ao meu ver, e como outros exemplos já evidenciaram, é parte do jogo. Talvez seja um resquício do romantismo essa necessidade de diferenciar a "obra" da "não-obra", o "gênio" do "não-gênio". Ou seja, assim como já aboliram a moldura há tempos nas artes visuais, não há porque achar que um sistema de upgrade é menos jogo do que a "ação". Um editor de times pode ser, para alguns, mais divertido do que a simulação da partida de futebol. Qual o problema? O jogo está ali para ser utilizado por todos, do modo como cada um bem entende. Ou seja, nesse primeiro nível, não vejo motivo para alardes. Mas, ressalto que(e explicarei adiante) quando o foco deixa de ser as fases em si e passa a ser o acúmulo de pontos com o objetivo de poder comprar elementos do parajogo, isso não deixa de ser assustador.

B) O exagero irônico que o jogo traz frente às compras e os upgrades evidencia que a relação entre "eficiência na ação do jogo" x "valor de cada upgrade" não é necessariamente direta nem consensual. E isso deve ser expandido a todos os jogos que conhecemos com suas não-transparentes lógicas internas. Ou seja, quanto vale "matar", quanto vale cada moeda adquirida e quanto custam os upgrades e os benefícios que essas moedas podem comprar? São decisões tomadas por produtores de um modo que nunca fica exatamente claro para o jogador. Um experimento que poderia levar a cabo essa "aleatoridade" seria algum jogo em que esses valores não fossem predeterminados, mas randomizados no início de cada jogo. Fica aos gamers a sugestão.
Isso me remete à insistência de Janos Biro em discutir um ponto em particular de jogos como Pazzon ou Execution: porque nos tornamos tão facilmente cúmplices das poucas opções que os jogos nos apresentam? O que nos leva a chegar ao fim de "COMPLETE UPGRADE"? É a satisfação de vencer desafios por mais aleatórios que sejam, materializados em jogos? É a sensação da vitória em sua face mais "pura", apresentada por Huizinga? Ou esses jogos representam nosso modo de viver e de pensar? A filosofia do agir, do fazer, do "é melhor se arrepender de ter feito do que de não ter feito" que molda nosso modo de pensar? Ainda: a própria teoria do Huizinga não estava subjugada já a essa lógica, fazendo com que a transcendência que ele desejava atribuir aos jogos não fosse mais do que impossibilidade de entender as limitações de sua própria sociedade?

C) Esse jogo, para mim, ainda evidencia o modo como estamos vinculados a uma comunidade do "consumir" pelo "consumir". Afinal, a ação do jogo é pretexto para a aquisição de recursos (mesmo que válidos somente dentro do software) que lhe possibilitam comprar itens do parajogo de que você não precisa. E itens aos quais você provavelmente não dará importância depois de adquiridos. No jogo, troca-se por várias vezes de menu, de gráficos da ação do jogo, de "copyright", de título", numa pretensa evolução. Pretensa, obviamente, pois se pensarmos em termos estéticos, pode-se dizer que há apenas mudanças. Inclusive, ao meu ver, o visual em vetorial é o mais bonito, assim como o resultado estético final da tela inicial não é o que mais me agrada.
No entanto, na esteira da lógica da obsolescência, o jogo induz o jogador a querer melhorias e aceitar os novos padrões como melhores padrões que os que vieram (mas inferiores aos que virão), numa incômoda (para mim) linearidade. Assim, o "upgrade" cria a constante ilusão da falta, base para o consumismo. Não importa se já lhe parece bom o modo como o jogo está. Ele não será bom enquanto um terceiro continuar lhe avisando que ele pode "evoluir". Não sei se isso supera o que pretendia o autor e seu argumento central, mas é algo bem mais grave, ao meu ver, do que a relação jogo x parajogo.
Essa discussão me faz retomar e reavaliar o que eu havia esboçado no artigo sobre o The Sims: o que leva alguém a comprar um sofá mais caro do que já se tem na casa sob a alegação de que o mais caro é o que mais dá conforto? O que leva alguém a querer comprar enfeites dos mais diversos para alegrar os Sims? Mais, o que leva alguém a gastar dinheiro para mudar a cor de um móvel, para trocar a cor de uma casa? É o desejo de cumprir melhor a meta? É um desejo de consumir externo ao jogo que ali se materializa numa dinâmica ideal porém plausível?

Obviamente, essas ponderações não esgotam a riqueza de discussões que se pode ter sobre os temas apresentados. Mas, enfim, serve para refletir ao menos sobre alguns pontos. E para abrir ainda mais os debates possíveis. Por exemplo, quando tudo está à venda dentro de um jogo e, pior, quando nos submetemos a executar tarefas dentro dele que não nos divertem o suficiente a fim de poder adquirir aquilo que nos vendem, mesmo sem precisarmos, definições de jogo como "fuga do cotidiano" não parecem piada de mau-gosto?

sábado, 27 de junho de 2009

Gameplay

Para quem estará ou poderá estar em São Paulo no mês de julho, uma notícia interessante: no Itaú Cultural haverá uma exposição denominada "Gameplay" que se propõe a discutir questões relevantes para a área dos jogos. A chamada, ao menos, é instigante:

O que diferencia o videogame de outras formas mais tradicionais de expressão audiovisual? A interatividade? Não é apenas isso, há algo mais em jogo.
A exposição toma como ponto de partida a ideia de que a interação com o jogo é um "verdadeiro diálogo" (eu não usaria o termo "verdadeiro", embora em minha dissertação eu parto de uma posição de André Lemos frente ao assunto para abordar/discutir esse processo dialógico bastante particular dos jogos). De qualquer modo, gera curiosidade o anúncio de que:

GamePlay oferece ao visitante a chance de experimentar o conceito que está por trás da experiência de interação entre o homem e a máquina de forma prática.
Para programadores e amantes de jogos, uma boa pedida. No melhor estilo paulistano de se propagar a cultura, a entrada é franca, bastando retirar o ingresso com antecedência. Incito todos a irem e, posteriormente, comentarem, debaterem sobre o modo como tem se apresentado formalmente a comunidade gamer em tais eventos. Eu, de minha parte, farei isso. Segue o link do evento, com as informações completas e a descrição do que teremos no evento:

GAMEPLAY - LINK

terça-feira, 24 de março de 2009

Layoff: FAIL?

Não tive tempo para comentar o jogo Layoff. Aliás, nem me dediquei a isso, julgando que o que eu havia percebido nele era consensual e, talvez, óbvio. Qual não foi a minha surpresa ao notar que no excelente blog Play This Thing, a avaliação era contundentemente contrária e crítica ao jogo?

Se o jogo não é uma perfeição ou uma obra-prima, acredito que há muito mais a ser explorado do que simplesmente aquilo que é posto no blog em questão. Acho que devemos ter cuidado (e falo isso por que acabo assumindo, mesmo que não querendo, o papel de interpretar jogos e dar versões "autorizadas" sobre ele, por conta de expor idéias em espaço público, respaldado por um título de mestre em uma universidade respeitada e um linguajar academicista muitas vezes) em opiniões muito contundentes e que limitem outros possibilidades interpretativas de jogos. Há muito, pelo menos, isso foi ultrapassado em análises de textos/discurso.

Segue, então, o que consegui escrever e expressar em meu inglês adquirido na Internet e nos videogames, em resposta à análise do post do Play This Thing:

Hello! My name is Henrique and I'm graduated in language and technologies studies of the Apllied Linguistics Departament of Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Brazil. I always read this blog, and usually I agree and learn with the posts we have here. However, in this case, I need to present another point of view.

First of all, the games are systems, developed and created by someone who cames before the player. So, all the player choices (there are "real" choices?) depend on the designer previous ones. Well, in the LAYOFF, aren't we take over a role in a system bigger than us? So, I think if we start considering that a game could be a kind of metaphore, it will be easier to find some similarities and interesting relations.

Obviously, we have more than a apropriation of one game logic in another context. We have intertextuality. Why this is so important? There is a agreement in the discourse and textual studies about this concept: the purpose of intertextuality is to bring some characteristics of the original text and reshapes it in the new text.

The player role is to dismiss/layoff people to save money. Someone (some invisible one) of the original game tells that you need eliminate equal pieces to reach a good score. This "innocent" logic is placed in a new context and the player need to make the same thing, the expected right thing to be rewarded. Well, like Pazzon, the "good" thing you need to do is not so good and your only choice is "continue" or "not continue". That means the player is more powerfull than the employees, less powerful than the managers (you can't dismiss them) and its efficiency rewards the corporation, prejudice people and don't bring more than a "good score" to it. And the player (could) keep acting until the employees board allows.

Let's back to intertextuality. In the original game, we are talking about "gems". This abstraction could be transported to the new game and we can have a tension about the material part (employees) and abstract part (the similar objects that needs to be in lines). The pop-ups helps to intensify this tension. Treat "people" as pieces to be eliminated is more than a good metaphore. It's the essencial thing to act like the corporation wants. To act in this way (in the game or in the life) it's essencial to keep away from the emotional involvement or to consider the employee as a human being. A guilty conscience needs this involvement.

So, who dismiss? Who really act? The "corporation"? The one that create the rules? Or someone that obey the rules? And what is be rewarded in this system? Who is winning? The player?

Well, I hope that the things I wrote could be readable. I intended write more and more clearly, but it's not easy to write in English. I only think that we need start to interpret some intertextuallity in games in a different way. And we could consider that sometimes the social criticism appears on differents and tenous forms. I think that we don't need only September 12ths.
Bem, é isso e um pouco mais que penso. Gastei tanto tempo elaborando isso em inglês que meu cérebro não consegue comentar nada mais... rá.

terça-feira, 17 de março de 2009

Complementando o post anterior: LAYOFF




Não é que, de certo modo, a maneira de agir em Pazzon acaba por se repetir (também criticamente) em LAYOFF? Só que de uma maneira bem menos abstrata...


Siga o mestre

Frasca (2001) lembra que os criadores de jogos,
dentro de uma simulação, atuam mais como
“legisladores” do que como “criadores”: seu encargo
consiste fundamentalmente em decidir as regras
que valerão para o sistema que está criando
(Magnani, 2008).






Vejo num recente lançamento, Pazzon, talvez um dos melhores e dos mais criativos jogos críticos que tenha jogado. A falta de tempo que tenho para postar beira ao absurdo nesses tempos, porém, não queria protelar mais esse comentário.

Não há mais tanto o que dizer, dado que dois dos melhores blogs sobre o assunto já trataram de analisar o jogo: Arte e Subversão Interativa e Play This Thing!. Desse modo, é redundante falar mais uma vez sobre esse belíssimo trabalho. Jogá-lo e ler esses dois artigos dá uma ideia bastante ampla sobre a questão.

Mas eu não me daria por satisfeito se não comentasse, aqui, que Jesse Venbrux conseguiu, em um jogo, trazer uma idéia que eu procurei expor num enorme esforço em material impresso: a análise do "contrato" estabelecido entre jogador e designer e da cumplicidade do jogador frente às escolhas prévias desse designer. Essa discussão foi apresentada tanto no terceiro e quarto capítulo de minha dissertação, quando no artigo "Entre a liberdade e coerção...", da qual eu destaco o seguinte trecho:

Ou seja: por mais liberdade que seja prometida ao usuário, esta sempre estará condicionada às escolhas estruturais postas. Indo mais a fundo, pode-se dizer que tanto o jogador quanto o observador-ator “assinam” uma espécie de contrato no momento que se dispõem a jogar com o que é flexível no objeto, comprometendo-se a não alterar ou questionar a estrutura rígida. Isso quer dizer que, ao interagir com estruturas similares a uma obra em movimento, dispõem-se, tacitamente ou não, a se submeter às regras dadas pelo “esqueleto” do objeto. Em outras palavras, tanto no caso de jogos digitais como no caso de outros artefatos similares às obras em movimento, o acordo se realiza nos seguintes termos: o objeto depende da ação e da manipulação de um interlocutor para construir sentido; e o interlocutor, por sua vez, somente poderá agir diante de uma estrutura pré-determinada por aqueles.

Venbrux simplesmente provoca o jogador a agir segundo uma conduta extremamente desconfortável (para não dizer assustadora) por ser a única conduta que garante permanência e progressão na estrutura por ele criada. Janos Biro teve a sacada de evidenciar que o que move essa cumplicidade, em grande medida (ou seja, o que dá poder ao designer), é a ânsia que o jogador tem em ver o desfecho do jogo. Em suas palavras:

Eu tive a escolha de não jogar, assim que eu percebi que era obrigado a fazer algo que não queria. Mas ainda assim, quando jogamos, somos compelidos a prosseguir até o final, custe o que custar, só para ver o final. Ver o final é uma espécie de recompensa, é isso que nos estimula a jogar.

Felizmente, óbvio, um dos privilégios dos jogos digitais é serem eles o espaço para a experimentação. Seria muito simplista condicionar o comportamento a que a gente é levado a ter em um jogo ao comportamento exibido em nossas práticas sociais cotidianas. Isso, por outro lado, não nos impede de pensar no papel que as concepções ideológicas do autor de um jogo podem ter em cada usuário no ato de jogar. E essa reflexão pode ser expandida para videogames em geral, como é apontado em Play This Thing:

one might say that Pazzon can be seen as an indictment of Bioshock's storyline. As much as Bioshock tries to immerse you with its beautiful graphics and music, it still possesses the same silent and passive protagonist. You have as much free will in Pazzon as you do in Bioshock, or indeed in almost any other videogame.
Isso, com a diferença que em Pazzon, essa "liberdade" está sendo colocada em discussão, ao passo que nos jogos em geral há a busca pelo apagamento da sensação do condicionamento e da cumplicidade. Ninguém se pergunta por que atira em quem atira em um Doom,. Ou por que os adversários do Warcraft são realmente inimigos cruéis. Como desconfiar das instruções de um jogo ou dos NPC que não nos agridem? Alguém, algum dia, sentiu pena de algum feioso Orc?




sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Jogue Orwell

Tenho trazido aqui, ultimamente, muitos exemplos de jogos que pendem para um lado artístico, expressivo, e discutido como isso traz possibilidades de subversão e reflexão. Ainda no mestrado, lembro, cheguei a discutir a questão do que eu chamava de "jogo crítico" com o Marcelo Buzato - na época colega de estudos terminando o doutorado, hoje professor de Linguagem e Tecnologias da UNICAMP - e ele me fez um questionamento que até então passava batido em todas minhas reflexões: "você fala de jogos crítico de um modo que parece que a criticidade é algo que está vinculado ao artefato. Mas onde está a crítica? No jogo? No jogador? Na relação entre os dois? No momento? Eu não posso despertar minha criticidade por meio de qualquer jogo?". Essa questão, que ainda deixa muitos pontos em aberto para mim, foi retomada curiosamente por Janos Biro, em uma análise por ele realizada com relação ao jogo "Minotaur in a China shop":

[...] um jogo casual despretensioso também pode ser visto de um ponto de vista crítico. Isso faz parte do “estar consciente” do que se joga, já que hoje o jogo é algo automaticamente rotulado de banal, superficial e cujo objetivo é meramente entreter.
Com relação a essa questão, até o momento, mantenho a seguinte oposição: embora não seja possível mesurar a "criticidade" de um jogo, é possível manter a alcunha do que tenho chamado de "jogos críticos" em algumas situações. Estes jogos se caracterizariam, ao meu ver, por facilitar, por meio dos discursos que apresentam em resposta às ações dos jogadores, a reflexão crítica. E vejo o crítico, nesse caso, vinculado a idéia de crise, ou seja, desestabilizando esquemas e noções já aceitas e pouco analisadas. Dois exemplos interessantes e atuais do que eu consideraria jogos críticos com enfoque em questões sociais: Raid Gaza e Oiligarchy. Como sempre, fica a sugestão de jogá-los antes de continuar a leitura.

O primeiro tem o seu foco estritamente na questão das disputas atuais que ocorrem na Faixa de Gaza. O posicionamento contido nele é bastante definido - contra não só a ofensiva israelenses mas também contra o próprio discurso israelense que justifica e avaliza o ataque ao povo palestino. O que mais me chamou atenção no jogo é o modo como os números que embasam a desigualdade entre as mortes de ambos os lados são apresentados. O jogador convive com a desigualdade a ele favorável o tempo todo, mostrando que seu lado (Israel) mata muito mais que o lado alheio (Hamas). A larga margem de diferença entre o jogador e o computador (em meu primeiro jogo era 18:1) pode dar a impressão de que se está jogando dentro dos conformes, de que se está tendo "sucesso", de que está cumprindo a missão proposta. Afinal, é um número muito superior ao esperado para jogos de guerra ou estratégia.

No entanto, o jogador pode se surpreender no final: mesmo cumprindo com a bélica missão de matar o maior número possível de palestinos, a desigualdade numérica pode não ser o bastante. Meus míseros (que no momento pareciam grande coisa, fruto de meu esforço de "bom jogador") 18:1 foram ridicularizados frente aos 25:1, fruto de ações CONCRETAS na região. Ou seja, o próprio jogo conduz o jogador a um número supostamente absurdo e desproporcional, que vai contra todo bom manual de criação de bons jogos para então apresentar o impactante número que corresponde as ações que ocorreram de fato da região. Certamente, a probabilidade de a questão chamar a atenção do jogador e levá-lo a ponderar sobre os lados envolvidos é maior do que estando desinteressadamente vendo o Jornal Nacional na hora da janta com a família. (Para ver outra análise sobre o jogo, de Ian Bogost, mais longa e apurada, clique aqui). Sintoma disso é como o jogo, em sites que o abrigam como o Kongregate, já divide opiniões (acaloradas) com relação a sua temática.

Oiligarchy, o mais novo jogo produzindo por La Molleindustria e segundo exemplo de jogo crítico aqui trazido questões relacionadas ao controle do petróleo. Aliás, o próprio título irônico, como fica evidente, antecipa essa informação. Pode-se dizer que um jogo e outro possuem uma sutil ligação, a qual pode ser explicada por meio dessa explanação de Janos Biro, do post acima citado:

Governos bélicos lucram com a destruição de mercadorias, como já nos disse George Orwell. Num trecho do documentário “A corporação”, mostra-se que a guerra é na verdade uma oportunidade de lucro para muitos setores da economia. Destruir um pouco é prejuízo, mas destruir muito pode ge
rar um lucro tão grande que o sistema capitalista entra em crise com a ameaça do fim da guerra.

Não é por acaso que a Guerra é considerada um investimento em Oiligarchy. E um dos locais em que a guerra é possível é, também não por acaso, o Oriente Médio. O jogo aborda a questão da exploração de petróleo de uma maneira razoavelmente ampla para seu tamanho reduzido, trazendo implicações políticas, econômicas, sociais e ambientais. Interessante é o foco dado à necessidade de devastação que o "vício" no petróleo proporciona e a ênfase no fato de ser um bem não renovável. Normalmente os jogos que tratam de exploração de recursos (Warcraft, AoE e similares), a fim de favorecer a jogabilidade, sempre equilibra a quantidade de recurso de uma fase com as necessidades de vitória do jogador. Em Oiligarchy, o jogador é avisado de antemão que os recursos irão acabar e ponto final. Mais que isso, o jogo não para no auge, mas na decadência do jogador e do mundo - algo que representa exatamente o momento em que vivemos.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Desconstruindo o "Game Over"

Antes mesmo de compreender inglês, o jovem jogador sabe perfeitamente o significado de um Game Over. O termo, impossível de ser analisado como junção das palavras "jogo" e "terminado", adquire uma força iconográfica. O game over costuma ser o sinônimo do fracasso, dado que a possibilidade de vê-lo em tela por ter falhado na missão proposta é muito maior do que vê-lo por ter chegado ao fim previsto de um jogo. Curioso destacar, ainda, que o game over, no fracasso, geralmente é associado à morte.

Porém, pode-se pensar que não há nisso um jogo "errado". Se o jogador realizou um caminho previsto pelo jogo é porque é um trajeto possível, logo, certo. Mesmo que isso cause a morte.

Enquanto a maioria dos jogos favorece uma cisão entre maneiras "certas" e "erradas" de se terminar um jogo, há aqueles que vão em direção contrária, estimulando justamente a exploração de múltiplas leituras. Um excelente exemplo disso é o que temos no jogo-arte The Majesty of Colors, produzido por Gregory Weir. Proponho que, antes da continuar o texto, o leitor se aventure pelo jogo... ;)





Há cinco finais possíveis para a narrativa proposta pelo autor. Facilita, lógico, a fórmula escolhida por ele (e que nem é tão original no meio artístico, mas torna-se bastante eficiente nessa proposta): a grande e misteriosa criatura marinha controlada pelo jogador é, nada mais, que parte do sonho de uma pessoa. Assim, todo fim atenua as ações realizadas (sejam agressivas ou pacíficas) bem como a possível morte. Mais que isso, todo fim, em última análise, converge - mesmo que de maneira diferente - para uma única possibilidade: a de a pessoa acordar de seu sonho.

De qualquer modo, o jogo trabalha com algo interessante: encarar a própria morte como um fim possível, natural, e hierarquicamente igual a qualquer outro fim possível do jogo. O game over, nesse sentido, não está vinculado a sucessos ou fracassos. Também não está vinculado a desfechos pacíficos ou violêntos. São todas possibilidades de respostas com relação à ação do jogador frente aos eventos propostos pelo jogo. Em outras palavras, um retorno do modo de jogar do próprio jogador. Múltiplas leituras que chegam a múltiplos fins, sem que seja possível mesurar fracassos e sucessos, habilidades e inabilidades.

Isso nos leva a pensar também que, em uma primeira partida, o jogador não é levado nem a ser violento, nem a ser pacífico. Ele pode ir para as duas possibilidades que o jogo vai igualmente fluir. Isso também desconstrói uma cultura de "querer acertar" o melhor caminho de se jogar, o que "é mais fácil" e o que "mais rende pontos" que é, o que muitas vezes, direciona o jogador para um tipo de comportamento (e o faz cúmplice de um conjunto de discursos em específico).

Não que o jogo seja "neutro", "imparcial", ou algo do gênero. Mas, ao se propor reflexivo e aberto, cumpre um papel interessante e necessário, que é o de questionar certas convenções naturalizadas na cultura gamer.