quarta-feira, 21 de abril de 2010

Jogos e o perigo da história única

O vídeo que consta neste link (VER!) é bastante interessante para abordar algo que tem me inquietado em relação a certos olhares sobre jogos e sobre as histórias que eles contam (ou, ao menos, nas quais eles se baseiam).


Em Magnani (2008) eu cheguei a esboçar, grosso modo,
o argumento de que que jogos produzidos em uma cultura e levados à outra favorecem o apagamento de distintas vozes sobre modos possíveis ou desejáveis de agir ou pensar. Quando fiz isso, coloquei mais ênfase em relações econômicas do que de reconhecimento e identidade. De qualquer modo, acho que esse vídeo pode complementar a ideia discutida até então.

Se fizermos uma analogia entre literatura e videogames, podemos colocar que estes, nas relações de mercado que temos hoje, são majoritariamente artefatos culturais que
funcionam como elemento de propagação de certas verdades e identidades que, na maior parte dos casos, não só não representam grupos periféricos que o utilizam, como geram sentimentos de não pertencimento. Ou seja, para além de um discurso de que o jogo "é só diversão" e de que "sabemos distinguir realidade e ficção", há uma problemática redução de mundos e possibilidades quando nós nos atemos, discutindo jogos, ao que o "mercado quer".

Mais que isso, quando representamos, em jogos como a nova febre
"Favelado Game", visões unilaterais e estereotipadas do que seja um "outro" qualquer que possua menos poder, representatividade ou legitimidade social para falar sobre si próprio; articulamos, reforçamos e propagamos esses discursos sobre esse outro (mesmo que a gente saiba que eles são estereótipos, "just for fun"). E isso ocorre de modo a gerar efeitos concretos como os que são mostrados na declaração da Chimamanda Adichie, presente no vídeo acima disponibilizado. Assim, como bem aponta Janos Biro em relação à polêmica do PLS 170/06 (ver link 1) (ver link 2), lidar com a questão ética dos jogos deve ser central, mais do que um "atentado à liberdade de expressão". Afinal: quem realmente tem essa liberdade de se expressar (e, mais: de ser ouvido quando se expressa)?

Não que eu proponha piquetes contra "conspiradores burgueses" e suas "formas de dominação ideológica". Nem que eu esteja pedindo proibições de jogos como o que eu cito aqui. Mas, precisamente porque isso existe e gera efeitos sociais que me incomodam, acho importantíssimo argumentar e chamar a atenção para a complexidade de como tudo isso pode se materializar em jogos, indo além da fácil divisão entre "realidade" (o que realmente ocorreria e deve ser abordado, estudado com seriedade) e "ficção" (o reino do vale-tudo, do descompromisso). Se, como vimos no vídeo, aquilo que convencionamos chamar como "ficções" pode gerar efeitos tão materiais quanto os alegados pela autora, que "não realidade" é essa? E, falando em jogos, será que não é a "história única" e seus efeitos que têm sido o foco da indústria de games? Não é o que encontramos em Civilization? Ou em The Sims?