quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Jogos digitais x Meio ambiente

Hoje eu assisti ao documentário "A história das coisas".

Fiquei pensando em maneiras como a prática de jogar se relaciona com o consumismo e com todos os problemas que o circundam.

De um lado, os grandes jogos, que exigem grandes equipes, grandes indústrias já produzem, em sua fabricação um gasto considerável de recursos - desde energia, folhas de papel, cds, dvds, passando pelo "china in box" (com todos seus garfinhos de plásticos, molhos prontos, isopor térmico, etc) que o funcionário, por não ter tempo disponível para outro tipo de refeição, acaba consumindo.

Mas talvez essa seja a parte menos assustadora. Dentre os usos não especializados de um computador (penso em arquitetos, por exemplo, ou laboratórios que precisam de processadores rápidos para diferentes tipos de simulação), certamente os jogos são aqueles que mais exigem da máquina. É o processador, é a placa de vídeo, a memória, o espaço. Os jogos novos, baladados, alardeados como as principais novidades do mercado, via de regra, são os jogos que exigem mais recursos e que deixam seu computador obsoleto mais rapidamente.

Eu queria jogar, por exemplo, Fallout 3. Adoro a série, tenho uma fixação pelo sarcasmo, pelo pós-apocalíptico, etc. etc. Mas meu processador não agüentaria o jogo. E ele nem é o mais avançado dos jogos.

Fico pensando quantos milhões de adolescentes não trocam (leia-se: pedem para os pais trocarem) pelo menos uma vez ao ano o maquinário de seus computadores para poder jogar mais um jogo de FPS (só que mais realista!) ou mais outro RTS (só que com mais recursos) que não apresentam mudanças, a não ser na perfumaria, frente a um Doom ou a um Dune 2.

Por isso, continuar na marcha pró-engenhosidade, priorizando o que faz do videogame um jogo - ou seja, sua estrutura lúdica, seu conjunto de regras, valores, interações - e colocando em segundo plano as "aparências" é mais que valorizar o bom profissional. É mais que favorecer reflexão crítica, desenvolver a imaginação, ampliar o arcabouço discursivo do jogador.

É cuidar do meio ambiente.

8 comentários:

Unknown disse...

Uma coisa que eu aprendi há alguns anos é que jogar no PC costuma ser sinônimo de prejuízo.

Por isso, calculei que o investimento em um videogame de última geração, como o 360 ou o PS3, é muito mais economico por conta da vida útil de pelo menos quatro anos de cada um deles. Fora que não dá pau, nem conflitos com hardware, então economiza também seu estresse.

Quanto ao ambiente... esse raciocínio não valeria para qualquer empresa grande? Seja banco, seja de bens de consumo, seja de games???

Abraços
Paulo

Henrique Magnani disse...

Olá, Paulo!

Bem, pensando nesses termos, parece-me o melhor raciocínio. Os consoles hoje dão uma garantia de "novidade" que os PCs não dão. Isso, levando em conta que o produtor tem que desenvolver jogos que tenham como base os requisitos básicos do console. Ou seja, há uma relação mais "duradoura" (4 anos é duradouro?) porque há uma "fidelidade" de quem produz o jogo com relação a quem produz o console. Há uma relação "um para um". O jogo "x" é para o console "x'" e o jogo "y" é para o console "y'".

Agora, essa relação tende a ser menos sólida, a idéia de ociosidade deve se acelerar logo nesse meio, como é com computadores, carros, roupas, celulares. Pode ser simplista de minha parte, mas parece-me que o principal empecilho para isso é, somente, a inviabilidade técnica e mercadológica.

É uma opção interessante, do ponto de vista do consumidor, mas provavelmente temporária porque não chega à raiz do problema. Precisamos de tantos e todos os avanços tecnológicos? Ou, ao menos, precisamos tanto ou mais deles do que precisamos de bons criadores de games?

The Sims foi o fenômeno que foi com uma parte visual bastante simples em comparação a seus contemporâneos. A engenhosidade não exige, ao meu ver, toda essa "carga" de recursos que é o que torna o computador ou o console velho, ocioso, "inútil".

Quanto ao meio ambiente. Sim, esse raciocínio se estende. Mas eu nunca pensei nessa lógica aplicada ao mundo dos games em particular. Ou seja, nunca pensei na retroalimentação do consumo que o jogo provoca. Para jogá-lo, não consumimos ele apenas. Mas todo um maquinário que declaramos ocioso (embora perfeitamente intacto) em poucos meses apenas por conta de mais um ou dois jogos recém saídos do mercado.

Não se troca de aparelho de DVD a cada filme novo. Nem se muda a TV por conta de mudanças de programação.

Enfim. Diz-se por aí - polua menos, ande mais de bicicleta, use menos saquinhos plásticos. Mas nunca falaram: joguem menos jogos novos. E isso, quanto passou pela minha mente, soou, no mínimo, curioso.

Obrigado por ter comentado,

Abraço!

Claudinha disse...

Olá Professor, encontrei seu Blog...rsrs,
Foi uma pena eu não ter participado da oficina sobre seu mestrado, acredito que foi muito bom;
Achei muito interessante essa visão sobre jogos e meio ambiente, concordo que devemos aproveitar os nossos momentos de lazer e nos preocuparmos em contribuir para o meio ambiente, e realmente essa evolução tecnológica muitas vezes tem como maior interesse o consumismo, não pensando somente na facilidade que o avanço tecnológico traz, e menos ainda se preocupando com meio ambiente...
E isso torna-se lamentável;

Parabéns pelo Blog;

bj;

Unknown disse...

Mais um post genial, meu caro amigo. Como me dá prazer visitar seu blog e saber que há pessoas que não apenas gostam de jogos, mas pensam sobre eles no amplo contexto do universo lúdico. Nem preciso dizer que partilho a mesma idéia. Como os jogos são uma simulação da vida, eles têm uma dupla participação no problema ambiental. Por um lado o aumento acelerado da dependência tecnologia nos afasta da natureza e promove o declínio dos ecossistemas, e por outro a lógica do acúmulo é repassada da mente do autor para a mente do jogador através da fantástica pedagogia dos jogos. Jogos de guerra como Age of Empires ou Warcraft ensinam, disfarçadamente, que a natureza não passa de um recurso a ser conquistado e usado para derrotar o oponente, e o fim dos recursos não representa uma conseqüência grave. Matar é mais importante.

Eu também gostei da série de Fallout, e não vou jogar o 3. Meu pc tem mais de 10 anos e nem roda direito o único jogo que eu comprei em toda minha vida: Neverwinter Nights, que é meu favorito dos jogos "modernos". Os autores de Fallout realmente se diferenciaram. A trama pós-apocalíptica também é uma crítica à guerra e ao que estamos fazendo com o planeta. Infelizmente Fallout III não segiu essa linha, não passa de mais um jogo de tiro.

Enquanto este modelo econômico obsoleto permanecer, teremos problemas como esse em todas as áreas da produção cultural humana.

Henrique Magnani disse...

Pois é, Janos. Eu sempre coloquei como foco a questão do conteúdo dos jogos. Havia já pensado em como se dá a política expansionista na maioria dos RTS, analisei vários jogos vendo como as relações internas de seus elemento, ou seja, como o código conduzia para discursos determinados. Também ponderei, mesmo que bem superficialmente, em minha dissertação, que a gente deveria entender o jogo dentro da lógica da globalização, etc. e tal. Mas sempre quando eu pensava nisso, era na parte do conteúdo e do próprio consumo de jogos que eu parava. Essas relações mais amplas simplesmente passavam apagadas para mim (e, afinal, não é esse o intuito mesmo?).

Cláudia: fico feliz que você tenha gostado das reflexões colocadas aqui. É sempre bom poder compartilhar pensamentos sobre aquilo que nos interessa!

On_Off disse...

Creio que seja interessante explorar melhor as tecnologias já desenvolvidas! Acabo lembrando da minha querida SNK que foi ridicularizada por passar tanto tempo produzindo para uma mesma plataforma, a MVS. Entretanto ela faz crescimentos admiráveis com ela. Só de ver a diferença entre Fatal Fury 1 e Garou, Rodando num mesmo tipo de arcade.

Gosto disso, e sempre internalizei comigo esse exemplo: Explorar ao máximo. Não ao tudo descartável.

TailsApnea disse...

Realmente é uma loucura como os requisitos sobem absurdamente. Tudo isso pra se jogar a mesma coisa, em uma "embalagem" nova. Story of Stuff é muito legal e me fez pensar nesses assuntos tambem.

Henrique Magnani disse...

Olá, Tails. Fico feliz pelo seu comentário!

Pois é, muita "casca" e muito marketing. Velhos vinhos em novas (e mais caras) garrafas.

E tudo isso nos leva, quando pensamos em "serious games" a um dilema:
Como produzir jogos que discutam seriamente as questões pelas quais passamos sem que eles percam a autocrítica? Ou seja: sem que eles ignorem o papel que eles (enquanto artefato) ocupam dentro dessa lógica?

Essa é uma das principais críticas da Hoofd (ver post: http://ideogames.blogspot.com/2009/08/texto-sobre-etica-nos-serious-games.html) aos serious games - ela teme uma banalização de noções como essas discutidas em "História das Coisas" em simulações que não consideram que elas mesmas fazem parte dessa história.

Não concordo com muitas opiniões da autora (e estou devendo um post sobre isso), mas um ponto em que concordo é: não se pode ser ingênuo e utópico na construção de jogos. E o "história das coisas" é um bom início para se pensar mais analiticamente nessas questões.