No post mais recente de seu blog, Janos Biro divulga um interessantíssimo site de jogos e experimentos interativos que, apesar de ter surgido em 2006, eu nunca tive a oportunidade de conhecer antes: o Rrrrthats5rs.com. O site, em geral é construído de uma maneira bastante interessante, utilizando, inclusive, a interface a favor dele quando, por exemplo, coloca "falsos comentários" em cada jogo, como bem aponta Biro.
Dentre os inúmeros jogos ali apresentados (entre no site se quiser jogá-los, entre no Arte e Subversão Interativa para breves comentários sobre os jogos), chamou-me a atenção o Please the Art Critic (Satisfaça o crítico de arte). Sugiro que o leitor teste o jogo antes de prosseguir a leitura.
O jogo se apresenta da seguinte maneira: seu objetivo é desenhar, com uma palheta de poucas cores, obras que trazem o campo semântico das artes (encontram-se termos como surrealista, minimalista, impressionista, etc.) como referência. O trabalho do jogador, em seguida, deve ser submetido a um crítico de arte para a apreciação. Assim, se o desenho responder aos anseios do crítico, o jogador passa de fase e é desafiado com uma nova proposta de desenho. Caso contrário, o jogo acaba.
Assim é como o jogo se apresenta. Não necessariamente como o jogo funciona. Por quê? Primeiro, que a tal interpretação do crítico é o que indica o que deve ser feito ou não, e não os termos "surrealista", "impressionista", que se mostram vazios de sentido. Assim, na primeira fase, o crítico aponta (caso o jogador faça uma pintura com alguma outra cor) que, para ele, somente o VERMELHO pode representar o romance impressionista. Na segunda, ele considera que um "aperto de mão surrealista" lhe lembra uma bandeira da Irlanda. Nesse ponto, então, diferencia-se o que é pedido na fase e a dica do crítico, esta muito mais efetiva, aquela, vaga.
Mas isso não esgota a questão do acerto/erro no jogo. Na realidade, para o jogo "entender" que você deve passar de fase e, na sua interface, "dizer" que o crítico aprovou sua obra, é necessário cumprir um esquema bem restrito:
Assim, apesar dos discursos apresentados pelo crítico (um artifício do jogo) e pelo jogo, o que deve ser desenhado em tela não será avaliado, obviamente, em termos estéticos, mas a partir de regras internas bem simples. O nível de compreensão da máquina não é igual ao que é aparentemente exigido pela interface e "acertar" depende de uma coincidência ou uma sobreposição desses dois níveis, induzida pela figura do crítico. Basta um traço para se acertar a primeira fase e dois riscos para se acertar a segunda, mas observem como que o restante também influencia, nesse desenho apresentado em um fórum por um jogador, mostrando como ele passou de fase: Imagem (extraída do fórum Gamershood)
Ou seja, pode-se dizer que o jogador tem de reagir a fontes diferentes de informações e que "acertar" em um jogo não quer dizer dominá-lo - pode-se ganhar sem ter a consciência do, exatamente, entre o conjunto de ações e informações apresentadas ao software, que de fato levou o jogador à vitória. Ao acessar alguns fóruns com discussões sobre esse jogo, essa impressão se expande. Em www.nordinho.net/vbull/other-cool-games/22526-please-art-critic.html, um usuário apresenta esse conjunto de respostas para se "vencer":
Em outro post, recomenda-se o seguinte:
Também parece relevante apontar que esse jogo me remete a um dos últimos jogos ditos comercias com que entrei em contato, o "The Movies". No papel de "um magnata dos filmes, um caçador de talentos e /ou um diretor de filmes", segundo o site do jogo, o jogador é levado a produzir e vender filmes e, desse modo, levar ao sucesso a sua própria produtora. Porém, as relações entre as ações do jogador e o que leva ao sucesso não são estéticas. E, por mais que algumas dicas norteiem como o jogador deve conduzir o jogo, elas cumprem a mesma função do crítico de arte: induzir à sobreposição de acertos. Ou seja, apesar da complexidade muito maior desse segundo jogo, ele (e qualquer outro jogo ou software que anuncie ou pareça oferecer respostas estéticas) esbarra no mesmo ponto, de que isso não pode ser medido de antemão. Nesse ponto, então, é necessário deixar claro o que deveria ser óbivo: jogos serão limitadíssimos ao simular a produção artística e, mesmo se propondo a isso, o que será avaliado sempre será algum item paralelo a isso - basta lembrar, por fim, do famoso Guitar Hero.
Em suma, esse jogo me leva a algumas conclusões. A primeira é a de que o mecanismo dos jogos digitais pode ser fascinante - pela fantasia que cria na sobreposição dos níveis da interface e de seus mecanismos internos - mas não é ingênuo e poderia ser visto mais cautelosamente. Ainda estou em dúvida quanto a isto, mas tenho pensado fortemente que o honesto, do ponto de vista do autor (de qualquer jogo), seria sempre disponibilizar ao jogador, desnudar, de algum modo, o nível mais profundo do jogo. Mesmo a minha interpretação do que deve ser feito, pensada e pesquisada com atenção com base em todas as outras que encontrei e com base em minha própria (cansativa) e demorada experiência com o jogo está do outro lado da "caixa preta" e não deve equivaler às regras que constróem o jogo de fato. O que me traz a dúvida se isso deve ser feito é a possibilidade de quebra de "magia" que os jogos podem vir a ter.
Em segundo lugar, há elementos que não podem ser medidos ou apresentados à apreciação de uma inteligência artificial. Jogos como Guitar Hero ou The Movies vendem interessantíssimas fantasias, desde que elas não interfiram na noção do jogador de que aquilo é apenas isso - um construto, uma fantasia. De que estão adquirindo, ao aprender a jogar, apenas uma opinião (razoavelmente velada e parcialmente inacessível) sobre o que é ter sucesso nesse ou naquele contexto.
Dentre os inúmeros jogos ali apresentados (entre no site se quiser jogá-los, entre no Arte e Subversão Interativa para breves comentários sobre os jogos), chamou-me a atenção o Please the Art Critic (Satisfaça o crítico de arte). Sugiro que o leitor teste o jogo antes de prosseguir a leitura.
O jogo se apresenta da seguinte maneira: seu objetivo é desenhar, com uma palheta de poucas cores, obras que trazem o campo semântico das artes (encontram-se termos como surrealista, minimalista, impressionista, etc.) como referência. O trabalho do jogador, em seguida, deve ser submetido a um crítico de arte para a apreciação. Assim, se o desenho responder aos anseios do crítico, o jogador passa de fase e é desafiado com uma nova proposta de desenho. Caso contrário, o jogo acaba.
Assim é como o jogo se apresenta. Não necessariamente como o jogo funciona. Por quê? Primeiro, que a tal interpretação do crítico é o que indica o que deve ser feito ou não, e não os termos "surrealista", "impressionista", que se mostram vazios de sentido. Assim, na primeira fase, o crítico aponta (caso o jogador faça uma pintura com alguma outra cor) que, para ele, somente o VERMELHO pode representar o romance impressionista. Na segunda, ele considera que um "aperto de mão surrealista" lhe lembra uma bandeira da Irlanda. Nesse ponto, então, diferencia-se o que é pedido na fase e a dica do crítico, esta muito mais efetiva, aquela, vaga.
Mas isso não esgota a questão do acerto/erro no jogo. Na realidade, para o jogo "entender" que você deve passar de fase e, na sua interface, "dizer" que o crítico aprovou sua obra, é necessário cumprir um esquema bem restrito:
- Na primeira fase, desenhar qualquer coisa vermelha, podendo ser uma simples linha;
- Na segunda, desenhar qualquer coisa que contenha somente as cores verde e laranja (pode ser uma linha de cada)
- Na terceira, desenhar um conjunto de pontos azuis alinhados
- Na quarta, selecionar a tinta preta, clicar na tela como se fosse desenhar, mas não desenhar nada
- Na quinta, rabiscar por bastante tempo com o botão clicando no mouse com a tinta preta.
Assim, apesar dos discursos apresentados pelo crítico (um artifício do jogo) e pelo jogo, o que deve ser desenhado em tela não será avaliado, obviamente, em termos estéticos, mas a partir de regras internas bem simples. O nível de compreensão da máquina não é igual ao que é aparentemente exigido pela interface e "acertar" depende de uma coincidência ou uma sobreposição desses dois níveis, induzida pela figura do crítico. Basta um traço para se acertar a primeira fase e dois riscos para se acertar a segunda, mas observem como que o restante também influencia, nesse desenho apresentado em um fórum por um jogador, mostrando como ele passou de fase: Imagem (extraída do fórum Gamershood)
No primeiro, o que lembra "romance" - um coração vermelho; no segundo, a recomendação do crítico - a bandeira da Irlanda.
Ou seja, pode-se dizer que o jogador tem de reagir a fontes diferentes de informações e que "acertar" em um jogo não quer dizer dominá-lo - pode-se ganhar sem ter a consciência do, exatamente, entre o conjunto de ações e informações apresentadas ao software, que de fato levou o jogador à vitória. Ao acessar alguns fóruns com discussões sobre esse jogo, essa impressão se expande. Em www.nordinho.net/vbull/other-cool-games/22526-please-art-critic.html, um usuário apresenta esse conjunto de respostas para se "vencer":
1. draw a red Z
2. draw one orange arrow> near the guys head / draw second green arrow > next to orange arrow
3. draw about 30+ dots in blue and try to keep them small
4. draw anything in black/ press clear 5 times and submit
5. draw a black zig zag around the screen and try not to touch the other parts of the line
Em outro post, recomenda-se o seguinte:
Level 1= a dot of red or anything that’s red, you can even draw a dagger! lol
Level 2= a green line on one side an orange line on over
Level 3= blue dots in a big circle
Level 4= nothing!
level 5= scribble for ages
Também parece relevante apontar que esse jogo me remete a um dos últimos jogos ditos comercias com que entrei em contato, o "The Movies". No papel de "um magnata dos filmes, um caçador de talentos e /ou um diretor de filmes", segundo o site do jogo, o jogador é levado a produzir e vender filmes e, desse modo, levar ao sucesso a sua própria produtora. Porém, as relações entre as ações do jogador e o que leva ao sucesso não são estéticas. E, por mais que algumas dicas norteiem como o jogador deve conduzir o jogo, elas cumprem a mesma função do crítico de arte: induzir à sobreposição de acertos. Ou seja, apesar da complexidade muito maior desse segundo jogo, ele (e qualquer outro jogo ou software que anuncie ou pareça oferecer respostas estéticas) esbarra no mesmo ponto, de que isso não pode ser medido de antemão. Nesse ponto, então, é necessário deixar claro o que deveria ser óbivo: jogos serão limitadíssimos ao simular a produção artística e, mesmo se propondo a isso, o que será avaliado sempre será algum item paralelo a isso - basta lembrar, por fim, do famoso Guitar Hero.
Em suma, esse jogo me leva a algumas conclusões. A primeira é a de que o mecanismo dos jogos digitais pode ser fascinante - pela fantasia que cria na sobreposição dos níveis da interface e de seus mecanismos internos - mas não é ingênuo e poderia ser visto mais cautelosamente. Ainda estou em dúvida quanto a isto, mas tenho pensado fortemente que o honesto, do ponto de vista do autor (de qualquer jogo), seria sempre disponibilizar ao jogador, desnudar, de algum modo, o nível mais profundo do jogo. Mesmo a minha interpretação do que deve ser feito, pensada e pesquisada com atenção com base em todas as outras que encontrei e com base em minha própria (cansativa) e demorada experiência com o jogo está do outro lado da "caixa preta" e não deve equivaler às regras que constróem o jogo de fato. O que me traz a dúvida se isso deve ser feito é a possibilidade de quebra de "magia" que os jogos podem vir a ter.
Em segundo lugar, há elementos que não podem ser medidos ou apresentados à apreciação de uma inteligência artificial. Jogos como Guitar Hero ou The Movies vendem interessantíssimas fantasias, desde que elas não interfiram na noção do jogador de que aquilo é apenas isso - um construto, uma fantasia. De que estão adquirindo, ao aprender a jogar, apenas uma opinião (razoavelmente velada e parcialmente inacessível) sobre o que é ter sucesso nesse ou naquele contexto.