Esse é um comentário que prevê certas reações frente não só ao Sim Dilema (ver post anterior!), mas a jogos que possuam o mesmo caráter "denso" que ele. Proponho a expandir a discussão sobre o fato de que o jogo em questão não foi comentado ou debatido em lugar algum, embora amplamente divulgado.
"Esse jogo não é divertido!". Primeiro: diversão é algo cultural, local. Jogos como esse certamente não apresenta a mesma proposta de entretenimento que um "Tower Defense" que está em alta no Kongregate.com. Mas isso não quer dizer que ele não possa instigar certos grupos de pessoas, desafiá-los, atraí-los (tal como um livro do Kafka, por exemplo, faz para vários amantes da literatura, mas pode ser chatíssimo para alguém que goste apenas de romance policial). Segundo: nem todo jogo precisa sequer ser "divertido". Ele precisa fazer sentido, podendo ser inclusive chocante. Isso já dizia Frasca (2003): não há motivos lógicos que limitem a produção de jogos à produção de entretenimento. Assim como há filmes ou livros que contém assuntos sérios, videogames também podem possuir. O que, deve-se deixar claro, não é uma militância contra jogos divertidos...
Ainda assim, em avaliações em diversos sites e fóruns que debatem jogos, há o estabelecimento de uma noção mais ou menos universal de "bom jogo" e ela, mesmo que aplicada a um "jogo sério" tende a levar em conta o caráter diversão. O que critico nisso é o seguinte: "bom" segundo que parâmetros? "Divertido" para que usuários? O jogo "fracassa" segundo que interpretações? Tomamos essas avaliações como se elas fossem feitas segundo uma cartilha exterior a nós, críticos, que meramente, objetivamente e neutramente aplicamos os preceitos lá contidos e chegamos a conclusões "óbvias".
E aí entro em um assunto espinhoso: normalmente essa cartilha dialoga com a lógica de mercado. Talvez porque os jogos mais conhecidos têm esse apelo, talvez porque grande parte dos críticos seja consumidora/produtora desses jogos. Talvez porque foi assim que aprendemos a ver jogos. Assim, sucesso tende a ser visto como "popularidade". Quando maior o público que joga e gosta de um jogo, mais sucesso ele alcançou. Lógico que há um fator pragmático: se um produtor de jogos, que vive disso, consegue sobreviver por conta de quem compra seus jogos, é de seu interesse fazer jogos que lhe deem retorno financeiro. O que não quer dizer, no entanto, que esse é o único jeito ou "O" jeito certo de fazer jogo.
"Mas o mercado não quer isso!" O mercado também não se interessa pelos saraus literários que faço uma vez por mês com meus colegas (normalmente com os mesmos livros, o que deixaria a lógica do consumo de cabelos em pé). Nem explica porque você ou a Mariazinha possui um diário em que são registrados os bons momentos da sua vida. Nem explica como eu insisto em manter um blog que me consome um tempo que - por conta do mercado - praticamente não possuo. Não se interessa por questões que intrigam e intrigaram as mais diversas sociedades (como: mitos, estética, arte, ética) a não ser como instrumentos secundários para a geração de lucros. O que isso quer dizer?
Mercado não é um fator transcendental para avaliar o que fazemos ou deixamos de fazer na nossa sociedade. Mais que isso: mercado não é sinônimo de sociedade. Se devemos incluir o papel do mercado nas condições de produção, veiculação e aceitação dos jogos, não podemos, por outro lado, reduzir a discussão sobre qualidade ou interesse de jogos por uma análise de "o que o mercado quer". Afinal, o que "o mercado" "pensa" sobre jogos é apenas o modo dominante de se entender jogos. Não o mais importante para todos e muito menos o único.
Isso não deve descambar para um "hermetismo", uma "torre de marfim" ou para uma produção de jogos "cult" quase inacessíveis. Esse não é, inclusive o caso do "Sim Dilema". Ele demanda um esforço de leituras e reflexões que não costuma ser exigido em jogos de entretenimento. Mas que é um tipo de esforço que fazemos, sem reclamar, na vida acadêmica desde a graduação. Isso seleciona um público? Certamente. Do mesmo modo que um jogo como Counter-Strike tem um público particular (do qual não faço parte: não sei se por falta de tempo, agilidade, interesse...)
Em suma: todas as formas de jogo podem ter seu público e seu lugar. E eu tenho o maior interesse que jogos mais "densos" teoricamente e mesmo os gameartes consigam conquistar o seu espaço, a despeito de uma falta de interesse mercadológico em relação a eles.
Referência:
Frasca, G. Videogames: Press left button to dissent, IGDA, 2003.
"Esse jogo não é divertido!". Primeiro: diversão é algo cultural, local. Jogos como esse certamente não apresenta a mesma proposta de entretenimento que um "Tower Defense" que está em alta no Kongregate.com. Mas isso não quer dizer que ele não possa instigar certos grupos de pessoas, desafiá-los, atraí-los (tal como um livro do Kafka, por exemplo, faz para vários amantes da literatura, mas pode ser chatíssimo para alguém que goste apenas de romance policial). Segundo: nem todo jogo precisa sequer ser "divertido". Ele precisa fazer sentido, podendo ser inclusive chocante. Isso já dizia Frasca (2003): não há motivos lógicos que limitem a produção de jogos à produção de entretenimento. Assim como há filmes ou livros que contém assuntos sérios, videogames também podem possuir. O que, deve-se deixar claro, não é uma militância contra jogos divertidos...
Ainda assim, em avaliações em diversos sites e fóruns que debatem jogos, há o estabelecimento de uma noção mais ou menos universal de "bom jogo" e ela, mesmo que aplicada a um "jogo sério" tende a levar em conta o caráter diversão. O que critico nisso é o seguinte: "bom" segundo que parâmetros? "Divertido" para que usuários? O jogo "fracassa" segundo que interpretações? Tomamos essas avaliações como se elas fossem feitas segundo uma cartilha exterior a nós, críticos, que meramente, objetivamente e neutramente aplicamos os preceitos lá contidos e chegamos a conclusões "óbvias".
E aí entro em um assunto espinhoso: normalmente essa cartilha dialoga com a lógica de mercado. Talvez porque os jogos mais conhecidos têm esse apelo, talvez porque grande parte dos críticos seja consumidora/produtora desses jogos. Talvez porque foi assim que aprendemos a ver jogos. Assim, sucesso tende a ser visto como "popularidade". Quando maior o público que joga e gosta de um jogo, mais sucesso ele alcançou. Lógico que há um fator pragmático: se um produtor de jogos, que vive disso, consegue sobreviver por conta de quem compra seus jogos, é de seu interesse fazer jogos que lhe deem retorno financeiro. O que não quer dizer, no entanto, que esse é o único jeito ou "O" jeito certo de fazer jogo.
"Mas o mercado não quer isso!" O mercado também não se interessa pelos saraus literários que faço uma vez por mês com meus colegas (normalmente com os mesmos livros, o que deixaria a lógica do consumo de cabelos em pé). Nem explica porque você ou a Mariazinha possui um diário em que são registrados os bons momentos da sua vida. Nem explica como eu insisto em manter um blog que me consome um tempo que - por conta do mercado - praticamente não possuo. Não se interessa por questões que intrigam e intrigaram as mais diversas sociedades (como: mitos, estética, arte, ética) a não ser como instrumentos secundários para a geração de lucros. O que isso quer dizer?
Mercado não é um fator transcendental para avaliar o que fazemos ou deixamos de fazer na nossa sociedade. Mais que isso: mercado não é sinônimo de sociedade. Se devemos incluir o papel do mercado nas condições de produção, veiculação e aceitação dos jogos, não podemos, por outro lado, reduzir a discussão sobre qualidade ou interesse de jogos por uma análise de "o que o mercado quer". Afinal, o que "o mercado" "pensa" sobre jogos é apenas o modo dominante de se entender jogos. Não o mais importante para todos e muito menos o único.
Isso não deve descambar para um "hermetismo", uma "torre de marfim" ou para uma produção de jogos "cult" quase inacessíveis. Esse não é, inclusive o caso do "Sim Dilema". Ele demanda um esforço de leituras e reflexões que não costuma ser exigido em jogos de entretenimento. Mas que é um tipo de esforço que fazemos, sem reclamar, na vida acadêmica desde a graduação. Isso seleciona um público? Certamente. Do mesmo modo que um jogo como Counter-Strike tem um público particular (do qual não faço parte: não sei se por falta de tempo, agilidade, interesse...)
Em suma: todas as formas de jogo podem ter seu público e seu lugar. E eu tenho o maior interesse que jogos mais "densos" teoricamente e mesmo os gameartes consigam conquistar o seu espaço, a despeito de uma falta de interesse mercadológico em relação a eles.
Referência:
Frasca, G. Videogames: Press left button to dissent, IGDA, 2003.
Um comentário:
Concordo com seu ponto de vista. Diversão não é o único parametro que devemos considerar quando for necessário avaliar um game.
Parabéns pelo blog
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