Há algum tempo, na televisão brasileira, uma campanha para atenuar o preconceito frente a portadores de AIDS utilizava-se do seguinte recurso: colocava um grupo de jovens interagindo, falando, brincando. Nesse meio tempo, uma voz em off trazia o seguinte questionamento: éramos capazes de distinguir quem, daquele grupo, era portador do vírus da AIDS?
A idéia, em Pos or Not, desenvolvido pelo grupo mtvU (mesmos criadores de Darfur is Dying) é basicamente essa. Aparecem, seqüencialmente, várias fotos com breves descrições e o internauta é convocado a "chutar" se a pessoa em questão é soropositiva. Depois do chute, a próxima tela vem com a resposta (acerto ou erro) e com um breve comentário feito pela própria pessoa. Se ela possui o vírus, esse comentário explica quando a pessoa descobriu. Se não, há apenas uma "mensagem" da própria pessoa, geralmente relacionada ao assunto. Mais simples, impossível.
Ao se propor como jogo, no entanto, parece-me que fortalece a retórica de que "é impossível descobrir, pela aparência ou por dados externos, quem é aidético". Primeiro, porque o internauta é induzido a arriscar, a externar um julgamento precipitado. É a partir daqueles dados que ele irá tentar adivinhar. Ou seja, exige-se do "jogador" o preconceito, para então desmistificá-lo. Na TV, a propaganda fluía sem mesmo alguém tomar partido. Fluía, também, se eu trocasse de canal no meio dela. No caso do "jogo", o desfecho depende a agentividade do internauta.
Não vou entrar no mérito de se esse assunto está batido ou não. Para mim, sim. Para muitos que lerão esse texto, também. Mas há de se levar em conta que é um jogo que, graças à Internet, tem uma projeção mundial, e pode chegar a sociedades que mal sabemos como pensam e como se posicionam frente a esse assunto. A criação desse jogo já denota a sua necessidade - quem o criou não o fez à toa, mas consciente de que havia muito preconceito sobre o assunto. Além disso, haver, em paralelo, um site com um grande suporte para esclarecer dúvidas sobre o HIV é uma iniciativa louvável.
Em suma, ao se analisar serious games como esse, não se pode ter um olhar voltado somente para o que nós, em nosso contexto e com nossa noção de jogos e diversão podemos achar ou não do jogo. Em vez disso, há de se tentar localizá-lo no seu próprio contexto e entender, a partir disso suas vantagens e seus limites. Assim, é óbvio que nenhum fanático por jogos vai passar horas no site, "divertindo-se a valer" com esse mecanismo interativo que foi criado. Por outro lado, a própria simplicidade do jogo faz com que sua "resposta", ou seja, o efeito que ele quer gerar, venha muito rápido para o internauta que acessá-lo. O "combo" jogo e site parece funcionar legal para alguém que não tenha muita informação sobre HIV. No jogo, são desconstruídas possíveis crenças de "tendências" de pessoas de determinada cor, idade ou localidade serem mais ou menos propensas a terem o vírus. Para amparar essa desestabilização proposital, todo o site envolta do jogo conscientiza quem quiser se aprofundar no assunto sobre o vírus, crenças, fatos, etc.
Quando clamo (e reclamo) por qualidade na apropriação de mecanismos de jogos para a conscientização de jogadores e internautas, pode parecer que exijo um "virtuosismo", uma perfeição que só pode ser adquirida com uma verba enorme, oitenta cabeças extremamente criativas e um período de, no mínimo dois anos. Iniciativas como essa mostram que dá para ser bom mantendo-se simples.
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