segunda-feira, 19 de maio de 2008

Quem joga quem?

Lendo "Juventude", de Coetzee, Nobel de Literatura de 2003 (muito bom o livro, principalmente para aqueles que saíram de suas cidades em busca de algo - mesmo sem saber o que era esse algo), chamou-me atenção um trecho no qual o narrador fala sobre jogos em específico. O que eu penso sobre o trecho, não sei. Ao menos, não ainda.

Contextualizando, John, o narrador, é um sul-africano que habita na Inglaterra na década de 60, na qual se sustenta por conseguir emprego como programador. Seu sonho, no entanto, é ser escritor. Falar mais que isso seria contar sobre o livro. E contar sobre o livro é um dos jeitos mais covardes de ferir a literatura. Mas segue o trecho:

"Ele continua assombrado com o fato de as pessoas poderem ser tão inteligentes quanto são na indústria da computação, e não terem nenhum outro interesse além do preço de carros e casas. Achara que isso era apenas a notória hipocrisia da classe média britânica se manifestando, mas Ganapathy [indiano] não é diferente.

Essa indiferença pelo mundo é conseqüência de um excesso de relacionamento com máquinas que dão a sensação de pensarem? Como ia se sentir se um dia deixasse a indústira da computação e voltasse para a sociedade civilizada? Depois de gastar suas melhores energias durante tanto tempo em jogos com máquinas, ainda seria capaz de manter uma conversação? Terá ganhado alguma coisa nos anos com computadores? Não terá ao menos aprendido a pensar logicamente? A lógica não terá então se transformado em sua segunda natureza?

Gostaria de acreditar que sim, mas não consegue. No fim das contas, não tem respeito por qualquer versão de pensamento que possa ser incorporada num circuito de computador. Quanto mais se envolve com computação, mais a acha parecida com xadrez: um estreito mundinho definido por regras inventadas, que engole meninos com um certo temperamento suscetível e os deixa meio loucos, como ele está meio louco, de forma que o tempo todo em que se iludem pensando jogarem o jogo, o jogo é que está jogando a eles". (COETZEE, 2005, 164)

Uia!

:O






Referência: COETZEE, J. M. Juventude: Cenas da Vida na Província II. São Paulo, Companhia das Letras, 2005.

Um comentário:

MiWi disse...

Depois de ler duas vezes, tudo o que eu consegui foi exclamar o mesmo que você: Uia! :0

Tapa na cara, meu.