Achei um site interessantíssimo sobre jogos digitais e estudos culturais, que fez o imenso favor de compilar muito do que se tem academicamente na área. Não conheço quase nenhum texto dentre os que ele divulga, mas vou tentar lê-los na medida do possível. Acessem o link.
quinta-feira, 9 de dezembro de 2010
quinta-feira, 25 de novembro de 2010
Apresentação na University of Manitoba
Segue um vídeo de uma apresentação que fiz no Institute of Humanities da University of Manitoba, aqui em Winnipeg, Canadá.
A apresentação consiste em um breve resumo de minha trajetória acadêmica lidando com videogames e letramento crítico e faz um apanhado de parte de minhas principais questões, como elas foram se modificando e o estágio atual de minha pesquisa, iniciada no doutorado na USP e sendo complementada por meus estudos aqui no Centre for Globalization and Cultural Studies.
Como a gravação que fizeram não prioriza os slides, também os compartilho, para quem quiser acompanhá-los.
Video:
A apresentação consiste em um breve resumo de minha trajetória acadêmica lidando com videogames e letramento crítico e faz um apanhado de parte de minhas principais questões, como elas foram se modificando e o estágio atual de minha pesquisa, iniciada no doutorado na USP e sendo complementada por meus estudos aqui no Centre for Globalization and Cultural Studies.
Como a gravação que fizeram não prioriza os slides, também os compartilho, para quem quiser acompanhá-los.
Video:
Luiz Henrique 'Ique' Magnani Technology, Education, and New Literacies in Theory and Practice: Studies from Brazil from Diana Brydon on Vimeo.
Slides:
sexta-feira, 19 de novembro de 2010
Repensando o blog
No fim do ano passado, almejei voltar a trabalhar ativamente nesse blog. Minhas perspectivas eram de pegar bolsa de doutorado (havia acabado de garantir vaga na FFLCH-USP) e ter tempo para uma das partes que considero mais importantes da pesquisa - a divulgação e troca de ideias sobre o que pesquisamos.
Infelizmente, a bolsa não veio, o que me fez conciliar trabalho e pesquisa, acumulando leituras com temáticas muito diferentes e que pouco dialogavam. Consegui uma bolsa logo no meio do ano, o que me permitiria voltar a me comunicar por aqui. Mas essa bolsa (nacional) veio ao mesmo tempo de uma outra (internacional) e as burocracias que tive que enfrentar para conciliar ambas acabou tomando grande parte do meu tempo.
Bem, resolvido o impasse, estou há dois meses aqui em Winnipeg, Canadá, como pesquisador visitante da Universidade de Manitoba. Depois de um primeiro mês de adaptação em uma cultura totalmente diferente, voltei a pensar no blog. Mas já pensava em como eu poderia prosseguir com meu blog.
Nessa altura de minha pesquisa, estou tentando entender como jogadores constróem sentido de diferentes jogos, levando em consideração que suas interpretações sempre partem do seu local da cultura (BHABHA, 2003). Mas considerando que isso não quer também dizer que cada um interpreta os jogos do jeito que quer, pois nossos discursos são públicos, coletivos, comunitários e não individuais. E nós nunca estamos fora desses discursos.
O que quero dizer - ainda não entendo muito bem como, mas interpretamos jogos de uma maneira bastante complexa, que envolve, obviamente, relações de poder. Os jogos são, normalmente, produzidos em uma localidade (que se diz global) e jogado em vários outros locais como "universal". É assim que vemos um "The Sims" sendo vendido como "simulador do cotidiano" e não como "simulador do cotidiano de certas famílias suburbanas de classe média dos EUA". Por outro lado, um jogo sobre o Haiti é divulgado com um olhar externo, de fora, de quem o produziu. Vejam que é um jogo que convida a "experimentar" o que é viver na pobreza, localizando-o muito bem como uma cultura alheia. Quais as implicações disso? Não consigo responder, mas é uma de minhas perguntas atuais.
Esse blog surgiu como resultado do modo em que eu pensava jogos no fim do meu mestrado. Vejo que minhas análises, muitas delas, assumem um olhar e uma interpretação "universalista", como se meu modo de jogar fosse o de todos. Esse é um grande problema que foi apontado contra os teóricos do "letramento crítico": não levar em conta a subjetividade de suas próprias críticas e não ver sua intepretação como uma construção como qualquer outra, dando a ela uma posição de "panóptico".
Essa releitura e revisão sobre meu blog não é um desabafo. É uma tentativa de me organizar e entender onde me localizo agora e como posso, enfim, dar continuidade ao trabalho que comecei por aqui.
O trabalho de revisão e crítica de jogos alternativos a que eu me propunha tem sido feito de uma maneira muito inteligente, criativa e apurada pelo meu maior parceiro nessa empreitada, o Janos Biro. Não sei o quanto tenho a acresentar nisso. Vou voltar ao meu trabalho nesse blog, compartilhando ideias e discussões sobre jogos, responsabilidade, ética, mas estou procurando esse novo rumo.
Se alguém tiver boas sugestões, elas serão mais que bem-vindas!
Infelizmente, a bolsa não veio, o que me fez conciliar trabalho e pesquisa, acumulando leituras com temáticas muito diferentes e que pouco dialogavam. Consegui uma bolsa logo no meio do ano, o que me permitiria voltar a me comunicar por aqui. Mas essa bolsa (nacional) veio ao mesmo tempo de uma outra (internacional) e as burocracias que tive que enfrentar para conciliar ambas acabou tomando grande parte do meu tempo.
Bem, resolvido o impasse, estou há dois meses aqui em Winnipeg, Canadá, como pesquisador visitante da Universidade de Manitoba. Depois de um primeiro mês de adaptação em uma cultura totalmente diferente, voltei a pensar no blog. Mas já pensava em como eu poderia prosseguir com meu blog.
Nessa altura de minha pesquisa, estou tentando entender como jogadores constróem sentido de diferentes jogos, levando em consideração que suas interpretações sempre partem do seu local da cultura (BHABHA, 2003). Mas considerando que isso não quer também dizer que cada um interpreta os jogos do jeito que quer, pois nossos discursos são públicos, coletivos, comunitários e não individuais. E nós nunca estamos fora desses discursos.
O que quero dizer - ainda não entendo muito bem como, mas interpretamos jogos de uma maneira bastante complexa, que envolve, obviamente, relações de poder. Os jogos são, normalmente, produzidos em uma localidade (que se diz global) e jogado em vários outros locais como "universal". É assim que vemos um "The Sims" sendo vendido como "simulador do cotidiano" e não como "simulador do cotidiano de certas famílias suburbanas de classe média dos EUA". Por outro lado, um jogo sobre o Haiti é divulgado com um olhar externo, de fora, de quem o produziu. Vejam que é um jogo que convida a "experimentar" o que é viver na pobreza, localizando-o muito bem como uma cultura alheia. Quais as implicações disso? Não consigo responder, mas é uma de minhas perguntas atuais.
Esse blog surgiu como resultado do modo em que eu pensava jogos no fim do meu mestrado. Vejo que minhas análises, muitas delas, assumem um olhar e uma interpretação "universalista", como se meu modo de jogar fosse o de todos. Esse é um grande problema que foi apontado contra os teóricos do "letramento crítico": não levar em conta a subjetividade de suas próprias críticas e não ver sua intepretação como uma construção como qualquer outra, dando a ela uma posição de "panóptico".
Essa releitura e revisão sobre meu blog não é um desabafo. É uma tentativa de me organizar e entender onde me localizo agora e como posso, enfim, dar continuidade ao trabalho que comecei por aqui.
O trabalho de revisão e crítica de jogos alternativos a que eu me propunha tem sido feito de uma maneira muito inteligente, criativa e apurada pelo meu maior parceiro nessa empreitada, o Janos Biro. Não sei o quanto tenho a acresentar nisso. Vou voltar ao meu trabalho nesse blog, compartilhando ideias e discussões sobre jogos, responsabilidade, ética, mas estou procurando esse novo rumo.
Se alguém tiver boas sugestões, elas serão mais que bem-vindas!
quarta-feira, 21 de abril de 2010
Jogos e o perigo da história única
O vídeo que consta neste link (VER!) é bastante interessante para abordar algo que tem me inquietado em relação a certos olhares sobre jogos e sobre as histórias que eles contam (ou, ao menos, nas quais eles se baseiam).
Em Magnani (2008) eu cheguei a esboçar, grosso modo, o argumento de que que jogos produzidos em uma cultura e levados à outra favorecem o apagamento de distintas vozes sobre modos possíveis ou desejáveis de agir ou pensar. Quando fiz isso, coloquei mais ênfase em relações econômicas do que de reconhecimento e identidade. De qualquer modo, acho que esse vídeo pode complementar a ideia discutida até então.
Se fizermos uma analogia entre literatura e videogames, podemos colocar que estes, nas relações de mercado que temos hoje, são majoritariamente artefatos culturais que funcionam como elemento de propagação de certas verdades e identidades que, na maior parte dos casos, não só não representam grupos periféricos que o utilizam, como geram sentimentos de não pertencimento. Ou seja, para além de um discurso de que o jogo "é só diversão" e de que "sabemos distinguir realidade e ficção", há uma problemática redução de mundos e possibilidades quando nós nos atemos, discutindo jogos, ao que o "mercado quer".
Mais que isso, quando representamos, em jogos como a nova febre "Favelado Game", visões unilaterais e estereotipadas do que seja um "outro" qualquer que possua menos poder, representatividade ou legitimidade social para falar sobre si próprio; articulamos, reforçamos e propagamos esses discursos sobre esse outro (mesmo que a gente saiba que eles são estereótipos, "just for fun"). E isso ocorre de modo a gerar efeitos concretos como os que são mostrados na declaração da Chimamanda Adichie, presente no vídeo acima disponibilizado. Assim, como bem aponta Janos Biro em relação à polêmica do PLS 170/06 (ver link 1) (ver link 2), lidar com a questão ética dos jogos deve ser central, mais do que um "atentado à liberdade de expressão". Afinal: quem realmente tem essa liberdade de se expressar (e, mais: de ser ouvido quando se expressa)?
Não que eu proponha piquetes contra "conspiradores burgueses" e suas "formas de dominação ideológica". Nem que eu esteja pedindo proibições de jogos como o que eu cito aqui. Mas, precisamente porque isso existe e gera efeitos sociais que me incomodam, acho importantíssimo argumentar e chamar a atenção para a complexidade de como tudo isso pode se materializar em jogos, indo além da fácil divisão entre "realidade" (o que realmente ocorreria e deve ser abordado, estudado com seriedade) e "ficção" (o reino do vale-tudo, do descompromisso). Se, como vimos no vídeo, aquilo que convencionamos chamar como "ficções" pode gerar efeitos tão materiais quanto os alegados pela autora, que "não realidade" é essa? E, falando em jogos, será que não é a "história única" e seus efeitos que têm sido o foco da indústria de games? Não é o que encontramos em Civilization? Ou em The Sims?
Em Magnani (2008) eu cheguei a esboçar, grosso modo, o argumento de que que jogos produzidos em uma cultura e levados à outra favorecem o apagamento de distintas vozes sobre modos possíveis ou desejáveis de agir ou pensar. Quando fiz isso, coloquei mais ênfase em relações econômicas do que de reconhecimento e identidade. De qualquer modo, acho que esse vídeo pode complementar a ideia discutida até então.
Se fizermos uma analogia entre literatura e videogames, podemos colocar que estes, nas relações de mercado que temos hoje, são majoritariamente artefatos culturais que funcionam como elemento de propagação de certas verdades e identidades que, na maior parte dos casos, não só não representam grupos periféricos que o utilizam, como geram sentimentos de não pertencimento. Ou seja, para além de um discurso de que o jogo "é só diversão" e de que "sabemos distinguir realidade e ficção", há uma problemática redução de mundos e possibilidades quando nós nos atemos, discutindo jogos, ao que o "mercado quer".
Mais que isso, quando representamos, em jogos como a nova febre "Favelado Game", visões unilaterais e estereotipadas do que seja um "outro" qualquer que possua menos poder, representatividade ou legitimidade social para falar sobre si próprio; articulamos, reforçamos e propagamos esses discursos sobre esse outro (mesmo que a gente saiba que eles são estereótipos, "just for fun"). E isso ocorre de modo a gerar efeitos concretos como os que são mostrados na declaração da Chimamanda Adichie, presente no vídeo acima disponibilizado. Assim, como bem aponta Janos Biro em relação à polêmica do PLS 170/06 (ver link 1) (ver link 2), lidar com a questão ética dos jogos deve ser central, mais do que um "atentado à liberdade de expressão". Afinal: quem realmente tem essa liberdade de se expressar (e, mais: de ser ouvido quando se expressa)?
Não que eu proponha piquetes contra "conspiradores burgueses" e suas "formas de dominação ideológica". Nem que eu esteja pedindo proibições de jogos como o que eu cito aqui. Mas, precisamente porque isso existe e gera efeitos sociais que me incomodam, acho importantíssimo argumentar e chamar a atenção para a complexidade de como tudo isso pode se materializar em jogos, indo além da fácil divisão entre "realidade" (o que realmente ocorreria e deve ser abordado, estudado com seriedade) e "ficção" (o reino do vale-tudo, do descompromisso). Se, como vimos no vídeo, aquilo que convencionamos chamar como "ficções" pode gerar efeitos tão materiais quanto os alegados pela autora, que "não realidade" é essa? E, falando em jogos, será que não é a "história única" e seus efeitos que têm sido o foco da indústria de games? Não é o que encontramos em Civilization? Ou em The Sims?
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artefatos culturais,
identidade,
teoria e videogames
terça-feira, 30 de março de 2010
Adendo ao post anterior - bons jogos: para quem?
Esse é um comentário que prevê certas reações frente não só ao Sim Dilema (ver post anterior!), mas a jogos que possuam o mesmo caráter "denso" que ele. Proponho a expandir a discussão sobre o fato de que o jogo em questão não foi comentado ou debatido em lugar algum, embora amplamente divulgado.
"Esse jogo não é divertido!". Primeiro: diversão é algo cultural, local. Jogos como esse certamente não apresenta a mesma proposta de entretenimento que um "Tower Defense" que está em alta no Kongregate.com. Mas isso não quer dizer que ele não possa instigar certos grupos de pessoas, desafiá-los, atraí-los (tal como um livro do Kafka, por exemplo, faz para vários amantes da literatura, mas pode ser chatíssimo para alguém que goste apenas de romance policial). Segundo: nem todo jogo precisa sequer ser "divertido". Ele precisa fazer sentido, podendo ser inclusive chocante. Isso já dizia Frasca (2003): não há motivos lógicos que limitem a produção de jogos à produção de entretenimento. Assim como há filmes ou livros que contém assuntos sérios, videogames também podem possuir. O que, deve-se deixar claro, não é uma militância contra jogos divertidos...
Ainda assim, em avaliações em diversos sites e fóruns que debatem jogos, há o estabelecimento de uma noção mais ou menos universal de "bom jogo" e ela, mesmo que aplicada a um "jogo sério" tende a levar em conta o caráter diversão. O que critico nisso é o seguinte: "bom" segundo que parâmetros? "Divertido" para que usuários? O jogo "fracassa" segundo que interpretações? Tomamos essas avaliações como se elas fossem feitas segundo uma cartilha exterior a nós, críticos, que meramente, objetivamente e neutramente aplicamos os preceitos lá contidos e chegamos a conclusões "óbvias".
E aí entro em um assunto espinhoso: normalmente essa cartilha dialoga com a lógica de mercado. Talvez porque os jogos mais conhecidos têm esse apelo, talvez porque grande parte dos críticos seja consumidora/produtora desses jogos. Talvez porque foi assim que aprendemos a ver jogos. Assim, sucesso tende a ser visto como "popularidade". Quando maior o público que joga e gosta de um jogo, mais sucesso ele alcançou. Lógico que há um fator pragmático: se um produtor de jogos, que vive disso, consegue sobreviver por conta de quem compra seus jogos, é de seu interesse fazer jogos que lhe deem retorno financeiro. O que não quer dizer, no entanto, que esse é o único jeito ou "O" jeito certo de fazer jogo.
"Mas o mercado não quer isso!" O mercado também não se interessa pelos saraus literários que faço uma vez por mês com meus colegas (normalmente com os mesmos livros, o que deixaria a lógica do consumo de cabelos em pé). Nem explica porque você ou a Mariazinha possui um diário em que são registrados os bons momentos da sua vida. Nem explica como eu insisto em manter um blog que me consome um tempo que - por conta do mercado - praticamente não possuo. Não se interessa por questões que intrigam e intrigaram as mais diversas sociedades (como: mitos, estética, arte, ética) a não ser como instrumentos secundários para a geração de lucros. O que isso quer dizer?
Mercado não é um fator transcendental para avaliar o que fazemos ou deixamos de fazer na nossa sociedade. Mais que isso: mercado não é sinônimo de sociedade. Se devemos incluir o papel do mercado nas condições de produção, veiculação e aceitação dos jogos, não podemos, por outro lado, reduzir a discussão sobre qualidade ou interesse de jogos por uma análise de "o que o mercado quer". Afinal, o que "o mercado" "pensa" sobre jogos é apenas o modo dominante de se entender jogos. Não o mais importante para todos e muito menos o único.
Isso não deve descambar para um "hermetismo", uma "torre de marfim" ou para uma produção de jogos "cult" quase inacessíveis. Esse não é, inclusive o caso do "Sim Dilema". Ele demanda um esforço de leituras e reflexões que não costuma ser exigido em jogos de entretenimento. Mas que é um tipo de esforço que fazemos, sem reclamar, na vida acadêmica desde a graduação. Isso seleciona um público? Certamente. Do mesmo modo que um jogo como Counter-Strike tem um público particular (do qual não faço parte: não sei se por falta de tempo, agilidade, interesse...)
Em suma: todas as formas de jogo podem ter seu público e seu lugar. E eu tenho o maior interesse que jogos mais "densos" teoricamente e mesmo os gameartes consigam conquistar o seu espaço, a despeito de uma falta de interesse mercadológico em relação a eles.
Referência:
Frasca, G. Videogames: Press left button to dissent, IGDA, 2003.
"Esse jogo não é divertido!". Primeiro: diversão é algo cultural, local. Jogos como esse certamente não apresenta a mesma proposta de entretenimento que um "Tower Defense" que está em alta no Kongregate.com. Mas isso não quer dizer que ele não possa instigar certos grupos de pessoas, desafiá-los, atraí-los (tal como um livro do Kafka, por exemplo, faz para vários amantes da literatura, mas pode ser chatíssimo para alguém que goste apenas de romance policial). Segundo: nem todo jogo precisa sequer ser "divertido". Ele precisa fazer sentido, podendo ser inclusive chocante. Isso já dizia Frasca (2003): não há motivos lógicos que limitem a produção de jogos à produção de entretenimento. Assim como há filmes ou livros que contém assuntos sérios, videogames também podem possuir. O que, deve-se deixar claro, não é uma militância contra jogos divertidos...
Ainda assim, em avaliações em diversos sites e fóruns que debatem jogos, há o estabelecimento de uma noção mais ou menos universal de "bom jogo" e ela, mesmo que aplicada a um "jogo sério" tende a levar em conta o caráter diversão. O que critico nisso é o seguinte: "bom" segundo que parâmetros? "Divertido" para que usuários? O jogo "fracassa" segundo que interpretações? Tomamos essas avaliações como se elas fossem feitas segundo uma cartilha exterior a nós, críticos, que meramente, objetivamente e neutramente aplicamos os preceitos lá contidos e chegamos a conclusões "óbvias".
E aí entro em um assunto espinhoso: normalmente essa cartilha dialoga com a lógica de mercado. Talvez porque os jogos mais conhecidos têm esse apelo, talvez porque grande parte dos críticos seja consumidora/produtora desses jogos. Talvez porque foi assim que aprendemos a ver jogos. Assim, sucesso tende a ser visto como "popularidade". Quando maior o público que joga e gosta de um jogo, mais sucesso ele alcançou. Lógico que há um fator pragmático: se um produtor de jogos, que vive disso, consegue sobreviver por conta de quem compra seus jogos, é de seu interesse fazer jogos que lhe deem retorno financeiro. O que não quer dizer, no entanto, que esse é o único jeito ou "O" jeito certo de fazer jogo.
"Mas o mercado não quer isso!" O mercado também não se interessa pelos saraus literários que faço uma vez por mês com meus colegas (normalmente com os mesmos livros, o que deixaria a lógica do consumo de cabelos em pé). Nem explica porque você ou a Mariazinha possui um diário em que são registrados os bons momentos da sua vida. Nem explica como eu insisto em manter um blog que me consome um tempo que - por conta do mercado - praticamente não possuo. Não se interessa por questões que intrigam e intrigaram as mais diversas sociedades (como: mitos, estética, arte, ética) a não ser como instrumentos secundários para a geração de lucros. O que isso quer dizer?
Mercado não é um fator transcendental para avaliar o que fazemos ou deixamos de fazer na nossa sociedade. Mais que isso: mercado não é sinônimo de sociedade. Se devemos incluir o papel do mercado nas condições de produção, veiculação e aceitação dos jogos, não podemos, por outro lado, reduzir a discussão sobre qualidade ou interesse de jogos por uma análise de "o que o mercado quer". Afinal, o que "o mercado" "pensa" sobre jogos é apenas o modo dominante de se entender jogos. Não o mais importante para todos e muito menos o único.
Isso não deve descambar para um "hermetismo", uma "torre de marfim" ou para uma produção de jogos "cult" quase inacessíveis. Esse não é, inclusive o caso do "Sim Dilema". Ele demanda um esforço de leituras e reflexões que não costuma ser exigido em jogos de entretenimento. Mas que é um tipo de esforço que fazemos, sem reclamar, na vida acadêmica desde a graduação. Isso seleciona um público? Certamente. Do mesmo modo que um jogo como Counter-Strike tem um público particular (do qual não faço parte: não sei se por falta de tempo, agilidade, interesse...)
Em suma: todas as formas de jogo podem ter seu público e seu lugar. E eu tenho o maior interesse que jogos mais "densos" teoricamente e mesmo os gameartes consigam conquistar o seu espaço, a despeito de uma falta de interesse mercadológico em relação a eles.
Referência:
Frasca, G. Videogames: Press left button to dissent, IGDA, 2003.
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Cultura gamer,
serious games,
teoria e videogames,
Videogame e arte
sexta-feira, 26 de março de 2010
O dilema de Marisa
Marisa tinha um projeto ambicioso, embora simples. Tal projeto envolvia dois fatores: (1) ela queria que as pessoas não morressem por falta de recursos; (2) ela queria viver nesse mundo, não morrer lutando por ele.
Em primeiro lugar, Marisa pensou que, sendo colaborativa ao próximo, além de se aproximar de pessoas que fariam o mesmo, ela daria um grande passo. De fato, os recursos que ela possuía aumentaram e as pessoas com quem ela se relacionava costumeiramente a auxiliavam. Caso alguém não colaborasse, ela não retaliava, apenas deixava de procurá-lo. Assim, enriqueceu. Mas seu projeto foi por água abaixo, pois muitos outros, com quem ela não se relacionava, morreram.Deram uma nova chance a Marisa. Dessa vez, mais experiente, não foi seletiva em suas trocas. Nisso residia outra espécie de ingenuidade: as pessoas não colaboravam com ela, e seus recursos foram diminuindo. Ao oferecer sempre a outra face, acabou estapeada e sem recursos.
Em sua última chance, restabeleceram seus recursos e a chance de se relacionar com os outros. Agora, colaborava muito, mas retaliava aqueles que não faziam o mesmo. Uma espécie de castigo, que nunca era superior ao tanto que retribuía quando bem recebida. Não bastasse isso, influenciava as pessoas a agirem desse modo. E informava a todos suas experiências naquele contexto, tentando dar aos outros seu olhar sobre tudo aquilo. No início, Marisa quase sucumbiu. Nesse momento de desespero, aproximou-se de quem mais lhe ajudava. Logo fortalecida, passou a se relacionar com todos. Na comunidade em que vivia, as pessoas sobreviveram e, aos poucos, começaram a colaborar umas com as outras.
Essa narrativa é uma maneira de contar ou reinterpretar a sucessão de acontecimentos de minha trajetória em uma partida do jogo Sim Dilema, desenvolvido por Janos Biro. O jogo em questão consiste em uma simulação baseada no dilema do prisioneiro, mas envolvendo uma complicação um pouco maior (há mais agentes envolvidos) e alguns elementos reguladores, propostos pelo autor, como relações entre recursos, desigualdade e consumo. Sugiro que a leitura do que virá a seguir seja feita após a execução do jogo e de um conhecimento básico sobre o dilema mencionado.
Quando, há muito tempo, comentei "The Free Culture Game", mencionei que era um jogo que operava mais como manifesto do que teoria, alcunha esta usada e divulgada por seu autor. E minha justificativa foi: o jogo encerra possibilidades de ação frente ao problema proposta, tomando a si mesmo como exemplo disso. Ou seja, um apelo persuasivo a agir conforme sugerido. Isso não é um problema, mas me gerou uma inquietação: como um jogo pode operar como uma teoria?
Sim Dilema faz isso. Talvez por isso seja denso. Talvez por isso seja tão pouco (ou nada) comentado, apesar de o autor tê-lo divulgado em inúmeros sites. Já o havia jogado, mas confesso que tive dificuldades, então, de construir sentidos. De operar com o jogo de um modo um pouco além do aleatório. De conseguir transformar minhas ações no programa em narrativas como fiz acima. Para tudo isso ser possível, precisei estudar antes de jogá-lo novamente. Tal como fazemos ao ler um poema, um artigo ou mesmo ver um filme que não entendemos. Depois de tudo isso, retornei ao jogo, ao seu manual e a alguns dos desafios propostos.
O que "Sim Dilema" faz de mais interessante, na minha opinião, é estabelecer uma reflexão sobre uma outra possibilidade de encarar jogos de gerenciamento de recursos. A inquietação do autor, nesse sentido, é clara, como é possível perceber neste comentário, em seu blog. Simula-se e se propõe a discutir, no jogo, noções como "colaboração", "desigualdade", "confiança", "coletividade". Desloca-se a ideia de "sucesso" como vitória de um, subjugando os demais (nesse jogo, isso é fracassar), o que provoca um contra-discurso interessante. E, mais que tudo, apesar de haver alguns "desafios", propostos pelo autor, que direcionam o jogo, sua base é, em si, a modalidade "sandbox", que permite a exploração de vários caminhos e possibilidades.
Obviamente, como toda simulação é uma redução, deve-se "entrar" no argumento do autor para que ele funcione. Não há explicação para o "número mágico" de 400 dias de prazo para manter todos sobrevivendo. Também não se apresentam os pressupostos que sustentam a relação direta entre "quantidade total de recursos" e "consumo diário de recursos". E isso, óbvio, interfere nas reflexões feitas, na sensação de sucesso ou fracasso e assim por diante. Fica a dica para uma próxima versão do jogo: criar, em algum local, um documento procurando explicar as escolhas e os pressupostos que sustentam o jogo (ou pelo menos sugerir que os jogadores entrem em contato com o autor para perguntar sobre isso).
Nos "desafios", é interessante a presença de perguntas, em vez de conclusões (o que, mesmo direcionando a reflexão, não a encerra, como ocorre no "Free Culture Game"). Por outro lado, não há uma consideração que as perguntas feitas e os desafios dependem intrinsicamente da estrutura proposta pelo próprio autor para gerarem resultado. São as escolhas que ele faz na construção do jogo que conduzem aos efeitos. Some-se a isso a recomendação para "mexer o mínimo possível": além de não ser tão precisa (quanto seria esse "mínimo"?), não é justificada (por que essa recomendação é feita?). Isso acabou me levando à ideia de que "deve ser assim para funcionar". Mas são detalhes que não tiram o brilho do projeto.
Como consideração final, eu gostaria de ressaltar que o Sim Dilema ainda tem um grande mérito: assume-se enquanto argumentativo (ou, melhor, como UMA possibilidade de enxergar o mundo). Além de explicar sua fundamentação (dilema do prisioneiro), sua motivação (pensar em um jogo de soma não nula, baseado na teoria dos jogos) está disponível em um site em que o posicionamento do autor é apresentado. Ou seja, podemos debater o argumento, questionar os efeitos do jogo, gerar um debate a partir disso, tal como fazemos com demais artefatos culturais. Não precisamos concordar com o autor (mas somos levados a argumentar para defender nosso ponto de vista, caso isso ocorra).
Assim, o jogo não possui a armadilha encontrada em "blockbusters" como Civilization ou The Sims, que se assumem como "entretenimentos neutros", disseminam-se como "universais" (todas as nações buscam um mesmo objetivo; todas as famílias são alfabetizadas e proprietárias de imóveis) e generalizam noções, sobre os assuntos que abordam, que são locais.
Em sua última chance, restabeleceram seus recursos e a chance de se relacionar com os outros. Agora, colaborava muito, mas retaliava aqueles que não faziam o mesmo. Uma espécie de castigo, que nunca era superior ao tanto que retribuía quando bem recebida. Não bastasse isso, influenciava as pessoas a agirem desse modo. E informava a todos suas experiências naquele contexto, tentando dar aos outros seu olhar sobre tudo aquilo. No início, Marisa quase sucumbiu. Nesse momento de desespero, aproximou-se de quem mais lhe ajudava. Logo fortalecida, passou a se relacionar com todos. Na comunidade em que vivia, as pessoas sobreviveram e, aos poucos, começaram a colaborar umas com as outras.
Essa narrativa é uma maneira de contar ou reinterpretar a sucessão de acontecimentos de minha trajetória em uma partida do jogo Sim Dilema, desenvolvido por Janos Biro. O jogo em questão consiste em uma simulação baseada no dilema do prisioneiro, mas envolvendo uma complicação um pouco maior (há mais agentes envolvidos) e alguns elementos reguladores, propostos pelo autor, como relações entre recursos, desigualdade e consumo. Sugiro que a leitura do que virá a seguir seja feita após a execução do jogo e de um conhecimento básico sobre o dilema mencionado.
Quando, há muito tempo, comentei "The Free Culture Game", mencionei que era um jogo que operava mais como manifesto do que teoria, alcunha esta usada e divulgada por seu autor. E minha justificativa foi: o jogo encerra possibilidades de ação frente ao problema proposta, tomando a si mesmo como exemplo disso. Ou seja, um apelo persuasivo a agir conforme sugerido. Isso não é um problema, mas me gerou uma inquietação: como um jogo pode operar como uma teoria?
Sim Dilema faz isso. Talvez por isso seja denso. Talvez por isso seja tão pouco (ou nada) comentado, apesar de o autor tê-lo divulgado em inúmeros sites. Já o havia jogado, mas confesso que tive dificuldades, então, de construir sentidos. De operar com o jogo de um modo um pouco além do aleatório. De conseguir transformar minhas ações no programa em narrativas como fiz acima. Para tudo isso ser possível, precisei estudar antes de jogá-lo novamente. Tal como fazemos ao ler um poema, um artigo ou mesmo ver um filme que não entendemos. Depois de tudo isso, retornei ao jogo, ao seu manual e a alguns dos desafios propostos.
O que "Sim Dilema" faz de mais interessante, na minha opinião, é estabelecer uma reflexão sobre uma outra possibilidade de encarar jogos de gerenciamento de recursos. A inquietação do autor, nesse sentido, é clara, como é possível perceber neste comentário, em seu blog. Simula-se e se propõe a discutir, no jogo, noções como "colaboração", "desigualdade", "confiança", "coletividade". Desloca-se a ideia de "sucesso" como vitória de um, subjugando os demais (nesse jogo, isso é fracassar), o que provoca um contra-discurso interessante. E, mais que tudo, apesar de haver alguns "desafios", propostos pelo autor, que direcionam o jogo, sua base é, em si, a modalidade "sandbox", que permite a exploração de vários caminhos e possibilidades.
Obviamente, como toda simulação é uma redução, deve-se "entrar" no argumento do autor para que ele funcione. Não há explicação para o "número mágico" de 400 dias de prazo para manter todos sobrevivendo. Também não se apresentam os pressupostos que sustentam a relação direta entre "quantidade total de recursos" e "consumo diário de recursos". E isso, óbvio, interfere nas reflexões feitas, na sensação de sucesso ou fracasso e assim por diante. Fica a dica para uma próxima versão do jogo: criar, em algum local, um documento procurando explicar as escolhas e os pressupostos que sustentam o jogo (ou pelo menos sugerir que os jogadores entrem em contato com o autor para perguntar sobre isso).
Nos "desafios", é interessante a presença de perguntas, em vez de conclusões (o que, mesmo direcionando a reflexão, não a encerra, como ocorre no "Free Culture Game"). Por outro lado, não há uma consideração que as perguntas feitas e os desafios dependem intrinsicamente da estrutura proposta pelo próprio autor para gerarem resultado. São as escolhas que ele faz na construção do jogo que conduzem aos efeitos. Some-se a isso a recomendação para "mexer o mínimo possível": além de não ser tão precisa (quanto seria esse "mínimo"?), não é justificada (por que essa recomendação é feita?). Isso acabou me levando à ideia de que "deve ser assim para funcionar". Mas são detalhes que não tiram o brilho do projeto.
Como consideração final, eu gostaria de ressaltar que o Sim Dilema ainda tem um grande mérito: assume-se enquanto argumentativo (ou, melhor, como UMA possibilidade de enxergar o mundo). Além de explicar sua fundamentação (dilema do prisioneiro), sua motivação (pensar em um jogo de soma não nula, baseado na teoria dos jogos) está disponível em um site em que o posicionamento do autor é apresentado. Ou seja, podemos debater o argumento, questionar os efeitos do jogo, gerar um debate a partir disso, tal como fazemos com demais artefatos culturais. Não precisamos concordar com o autor (mas somos levados a argumentar para defender nosso ponto de vista, caso isso ocorra).
Assim, o jogo não possui a armadilha encontrada em "blockbusters" como Civilization ou The Sims, que se assumem como "entretenimentos neutros", disseminam-se como "universais" (todas as nações buscam um mesmo objetivo; todas as famílias são alfabetizadas e proprietárias de imóveis) e generalizam noções, sobre os assuntos que abordam, que são locais.
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